04 dezembro 2016

As diferenças culturais no futebol...


Do inquérito inglês ao ajuste de contas com as próprias mãos, passando pelo "deixar andar" português.


Desengane-se o leitor que falar de futebol dentro das quatro linhas é possível sem falar do que o estrutura fora delas. Quem o diz o contrário ou está a ter um comportamento hipócrita ou está simplesmente a ser traído pela sua ingenuidade. Sem uma boa organização dos campeonatos, não se pode ter uma boa competição. Sem estruturas capazes de dar resposta, o espectáculo por melhor que seja praticado pelos seus executantes, vão sempre ser manchados pelo que acontece em seu redor. Por exemplo, podemos ter treinadores e jogadores altamente profissionalizados, mas sem todos os restantes agentes a seguirem o mesmo diapasão, haverá sempre falhas. Isto acontece desde o velho tema dos árbitros serem profissionais ou não, mas em coisas tão simples como a montagem de uma bancada amovivel. Se esta não estiver bem montada, num jogo de elevada assistência, o risco de acontecer um acidente é elevado e isto leva a manchar o futebol. Por existir esta importância nesta indústria da actualidade é que trago esta temática para a orla do dia. E trago olhando para três comportamentos distintos face a problemas comuns a todos os futebóis. 

Começo pelo exemplo inglês. No sábado passado jogou-se um importante encontro da EPL que opôs em Manchester o City com o Chelsea. Perto do final da partida houve um desentendimento dos jogadores de abas as equipas (num lance originado por uma entrada fora do tempo e agressiva do atacante dos citizens Agüero ao nosso velho conhecido David Luiz dos blues). Houve cenas muito pouco dignas de jogadores que ganham milhões e são modelos para os jovens. Por estes motivos, a FA, leia-se a comissão disciplina da liga inglesa de futebol, acusou ambas as equipas de «não garantir que os seus jogadores se comportassem de forma sensata e/ou de não se deixar levar por comportamentos provocatórios», conforme poderão ver no seu comunicado na internet. Por aqui, percebemos o quanto eles presem os valores do futebol e o quanto de maneira nenhuma querem abrir mão deles. Este é o futebol de 1º mundo, conforme podemos perceber.


Do outro lado do globo, mais concretamente na Argentina, chegam-nos um caso de tentativa de justiça pelas próprias mãos sobre a equipa de arbitragem por parte de jogadores e adeptos num jogo do Torneio Federal B entre as equipas de Sarmiento de Ayacucho e Sansinena. Os motivos são os mesmos de sempre. O árbitro erra prejudicando um dos lados, beneficiando a outra equipa, o que desencadeia tudo o que se passa, como poderão ver pelas imagens. Dada a gravidade das acções deverá haver consequências, para os clubes. No entanto, reparem que muito provavelmente serão um pouco brandas como é de costume por aquelas bandas, até porque quase todos os anos surgem imagens semelhantes da mesma zona do globo. Este é o futebol de 3º mundo, conforme podemos constatar.



Mas, então em que ponto estamos nós em Portugal? Olhando muito atentamente para o jogo de sexta-feira, entre o Marítimo e o Benfica, que ao inaugurar uma nova bancada no modernizado estádio dos Barreiros, recebeu uma assistência da elite do nosso futebol nacional, como por exemplo, o Pedro Proença (presidente da Liga), o Fernando Gomes (presidente da Federação) e o Fernando Santos (selecionador nacional), interrogo-me o que terão pensado depois do jogo (não) jogado em campo. Falo do anti-jogo do Marítimo e da conivência da equipa de arbitragem. Muito sinceramente, gostaria de ter-lhes questionado exactamente isso, pois talvez assim percebesse o porquê de algumas coisas que acontecem no futebol nacional. É que não consigo entender como se pode querer capitalizar a indústria do futebol nacional se o produto em si é de fraca qualidade. Isto é, como poderei dizer ao investidor ou o potencial adepto que queira comprar o direito de ver o futebol nacional que o custo é x quando na realidade vale menos de metade devido à quantidade de anti-jogo que sabota por completo o espectáculo? Onde está o critério de excelência aqui?

Para vocês verem bem a extensão da situação, é normal depois de arbitragens como estas falarem de sacudir um pouco a água do capote com (falsos) argumentos como (a) "isto acontece a todos" e (b) "até é benéfico para o campeonato, porque assim o Benfica perde pontos e o Sporting e o Porto têm uma hipótese". Ora bolas, então é esse o critério? É essa a excelência ou a mediocridade? Por estes sintomas estamos ainda no futebol do 2º mundo... apesar de sermos campeões da Europa e termos talento e competências nos vários sectores da organização para estarmos no 1º mundo. Falta-nos o principal: liderança! Mas, para isso existir, é necessário começar a mudar as nossas mentalidades. A forma como vemos a modalidade é ainda muito primitiva. Diria que é um parente próximo e polido do argentino, e um primo saloio do inglês. Isso só se resolve com lideranças fortes e um avanço cultural elevado.


Qual terá sido a opinião de Pedro Proença à arbitragem de Vasco Santos? Já agora, o que
terá a dizer o Joaquim Oliveira sobre se o anti-jogo do Marítimo pode ou não desvalorizar
o produto futebol nacional? E, quanto a Fernando Gomes e Fernando Santos, é este o
futebol do campeão da Europa?




P.S.: O que se passou na sexta-feira foi vergonhoso, como podem ver a seguir. A sensação que se tem é que cozinharam o resultado contra o Benfica no "Caldeirão". E, pretendentes não faltavam. Não fosse a desculpa do dia o do "campeonato estar mais competitivo desta maneira".


8 comentários:

  1. ainda temos de lutar muito, nos ainda temos uma cultura em que o espetaculo pode ser completamente arruinado em detrimneto da vitoria e isso leva a estas cenas tristes. a simulaçao de lesoes para perder tempo e esse anti jogo devia de ser punido gravemente mas se ate o sporting ja o fez, o que dizer aos clubes com menos recursos? enfim nunca iremos para a frente com o desporto assim

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    1. Claro que não. Mas, devemos perguntarmos porque é que os anos passam e o futebol com cosmética aqui e ali continua o mesmo.

      A resposta encontra-se no "bem-estar" de alguns senhores no futebol nacional. Está nos arranjinhos e favorzinhos que favorecem as carteiras de uns quantos enquanto que o futebol nacional pouco ou nada cresce.

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  2. E podias ter ido buscar muito mais. Quando o West Ham recebeu o Chelsea este ano, houve sururu à porta. Logo o clube anfitrião pediu à polícia toda a informação sobre os desordeiros, para que pudesse ser banidos de frequentar o Estádio. E como o West Ham muitos outros clubes elevaram o interior e as vizinhanças dos Estádios a locais sagrados.

    Ou, ainda no primeiro mundo, podias falar do futebol jogada e de como o futebol alemão se reinventou. Desde formação continua para treinadores, um mercado interno vibrante, regras financeiras apertadíssimas (que é certo contribuem para uma certa assimetria), um foco no adepto que vem de cima (há regras da DFB sobre o papel dos adeptos na gestão dos clubes). Mundos muito muito longe dos nossos.

    E o motivo pelo qual vou buscar o exemplo alemão é precisamente o anti-jogo. Como sigo regularmente o campeonato alemão a verdade é que os pequenos procuram impôr-se pela sua valia desportiva e não por esquemas destes. Porque os próprios adeptos da equipa não vão em cantigas dessas.

    Mas isto pode ser muito cultural, porque em Itália será sempre aceite (desde que beneficie a "minha equipa") e em Espanha também.

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    1. Bem visto RB!

      O caso alemão até pode servir de exemplo para outra perspectiva. Aqui em Portugal o dinheiro que a nossa seleção arrecada nas competições internacionais serve para a gestão do futebol nacional em parte, mas de grosso modo, há fundos que vão para não sei que bolsos. Na Alemanha, depois da derrota copiosa com Portugal no Euro2000, a Federação canalizou os seus fundos para uma reestruturação da formação do seu futebol e que muito passou pela formação de treinadores para as camadas jovens dos clubes, havendo inclusive, financiamento para os clubes terem treinadores certificados e a trabalharem lá.

      O que se faz cá em Portugal? Clubes de formação sem dinheiro para o quer que seja.

      O dinheiro existe, mas está muito mal distribuído. E disso ninguém fala, porque à na realidade uma "mafia" no futebol nacional. "Mafia" essa que está nos centros de decisão. Mas, isso é assunto para outro dia.

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    2. Eu gosto muito do exemplo alemão nessas coisas. A forma como reagiram ao hat-trick do Sérgio Conceição foi épica e de facto um modelo a ser seguido. É dos campeonatos mais competitivos do mundo, com grandes jogadores em quase todas as equipas e com treinadores com uma abordagem ao jogo que leva adeptos ao estádio (e deve dar um gozo do caraças aos jogadores). Muito mais do que o campeonato inglês, que vive da capacidade de atrair talento estrangeiro, o campeonato alemão procurou nivelar-se por cima com o mercado interno. E o trabalho nas academias é top!

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    3. Eles para mim são claramente o exemplo a seguir. Com a nossa riqueza natural proveniente dos nossos jogadores, e com a riqueza organizacional do Euro 2004, é um desperdício ver como o futebol português não se desenvolve. E a culpa tem muito a ver com a liderança do nosso futebol. Ou melhor a falta dela.

      ;)

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  3. A cultura de um povo espelha toda a sua produção. É algo que está enraizado e dura séculos até ser alterada. Por vezes até milénios, ou não estariamos ainda a beneficiar da democracia grega ou do direito romano.

    Na Alemanha, sobretudo, mas também na Inglaterra, existe preocupação em oferecer um bom espetáculo, justo e livre de polémicas e injustiças. O que está longe de ser o que acontece em Portugal. A preocupação dos rostos da liderança é apenas a prepetuação do seu próprio poder e quando é assim nada há a fazer, por muito que nos custe.

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    1. E por isso é que tem de mudar. O interesse do futebol é muito maior que o de certas personalidades. Quanto mais, esta visão ficar espalhada, maior será a pressão por parte do público perante estes tipos que não terão outro remédio que ir na onda, caso queiram permanecer com algumas das suas regalias...

      ;)

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