11 setembro 2016

É fácil criticar...

 

... mas mais difícil ainda é reconhecer o bom trabalho de Hélder Cristóvão e da sua equipa técnica na equipa B.


A equipa B do Benfica existe acima de tudo para passagem do futebol de formação para o futebol sénior, seguindo critérios de excelência e do modelo de jogo do Benfica. Só depois é que é importante ganhar títulos. Como é óbvio o objectivo de excelência passará por conquistar o triunfo nos jogos. No entanto, é preciso fazê-lo segundo certos critérios. Critérios esses que depois não só conferem outra qualidade ao jogador formado, como também o possibilita maior facilidade de integração na equipa principal do Benfica ou nas mais importantes ligas.

Mas que critérios são esses? Começa-se logo pelas exigências do modelo de jogo encarnado. Assentado num 4-4-2, os jovens jogadores do Benfica, chegam à equipa B estando habituados a jogar em 4-3-3/4-2-3-1, sistemas de jogo comuns das formações de base actuais. Isso faz toda a diferença na qualidade de jogo que acabamos por assistir e no impacto que isto tem na forma de jogar dos miúdos. Enquanto, num sistema de 4-3-3/4-2-3-1, há um núcleo central de 3 médios, cada um com funções específicas e quase estanques, num sistema de 4-4-2, as coisas já não são assim tão lineares e fechadas. É necessário neste sistema muitas mais 

Depois é preciso aplicar todo este novo conhecimento num contexto competitivo muito elevado como aquele que encontram na 2ª Liga (Ledman LigaPro). Aqui, encontram equipas com jogadores que muitas vezes somam em experiência a idade dos nossos jovens pupilos. Por isso é normal as dificuldades que a nossa equipa B possa ter, em particular nos últimos anos, em que se abandonou a lógica de uma equipa B formada por um grupo de jovens misturado com outro grupo de jogadores com mais dois ou três anos de experiência profissional, como acontecia com as equipas de Norton de Matos, por exemplo. A vantagem do atual modelo face a este é que permite a um maior grupo de jovens jogadores referenciados pelo clube de adquirirem experiência num curto espaço de tempo. Por exemplo, o João Carvalho que começou a entrar nas contas da equipa B na época passada, já soma 60 jogos na 2ª Liga profissional, com apenas 19 anos. Algo impensável para um jovem futebolista até há bem pouco tempo.

Por tudo isso, e porque os jovens são voláteis quanto a pressões exteriores, mais do que criticá-los quando as coisas não correm bem, é preciso acarinhá-los. Mas, não apenas estes. Também a equipa técnica e direção por terem tomado este projeto de enorme potencial para o clube e para o futebol nacional com a coragem que estão a demonstrar. Este é o processo. Mas, desengane-se que o processo é estanque. O próprio processo é como um ser vivo, que vai aprendendo com os erros que comete ao longo do seu trajeto rumo ao sucesso, pois no futebol não existem receitas exatas. Por isso mesmo, é que se calhar há umas épocas atrás, o modelo de Norton de Matos era o aconselhável, mas que agora já não faz sentido, pois os escalões de formação encarnada já estão todos a funcionar a 100%.

Por outro lado, haverá ainda arestas a melhorar, por causa do efeito "elevador" que alguns jogadores estão sujeitos e que algumas equipas técnicas no Benfica poderão ainda não saber bem como reagir perante estas situações. E, isto para não falar dos desafios que a equipa B encarnada tem nas pausas do calendário reguar das competições nacionais, para os compromissos internacionais das seleções, e que como tal, ficam sem muitos jogadores disponíveis e com uma competição longa e exigente como a 2ª Liga para competir. Talvez nessa altura seja bom "descer" jogadores da equipa principal que estejam disponíveis e que estejam ainda a recuperar ritmo de jogo, tentando juntar o útil ao agradável, como por exemplo Taarabt. De qualquer maneira não é fácil. E, esta dinâmica depende muito do relacionamento e coesão entre as diversas equipas técnicas encarnadas.


Formar a Ganhar!




P.S. 1: Por acaso, viram os últimos 10 minutos de jogo do Benfica B, hoje frente ao Académico de Viseu, no Caixa Futebol Campus do Seixal? Viram como os miúdos dominaram por completo as operações dentro de campo, mantendo a posse de bola e até criando lances de perigo na baliza adversária? Agora, recordem que são estes mesmos miúdos que há coisa de umas quantas semanas, não conseguiam manter resultados... Como é bom vê-los crescer...

P.S. 2: Gostei muito a nuance táctica que Hélder Cristóvão incutiu na segunda-parte deste encontro, ao colocar o lateral esquerdo Pedro Amaral a jogar como lateral direito. Com a subida de Aurélio Buta para extremo direito, mas também com a entrada de Luquinhas como falso extremo esquerdo (ele que é destro), o treinador encarnado pretendeu dar maior consistência à linha intermédia, pois tanto a atacar como a defender, havia quase sempre uma linha de 5 a 6 homens. Esta é uma nuance táctica à Guardiola...

11 comentários:

  1. António Madeira11/09/16, 20:24

    É uma boa análise, mas deixo aqui uma questão que não vi abordada e que já comentei várias vezes com outros benfiquistas:
    se a equipa B joga em 4-4-2, o que é perfeitamente compreensível, por que motivo as equipas de base não começam logo a implementar este modelo, criando assim rotinas e padrões de jogo que possam ser incutidas desde tenra idade?
    Haverá certamente motivos para isso, mas confesso que desconheço o porquê desse hiato entre os escalões de formação.

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    1. O sistema de jogo mais básico para o futebol de 11 é o 4-3-3. Uma coisa é o sistema de jogo, outra é o modelo de jogo. Podes ter o mesmo modelo de jogo em duas equipas com sistemas de jogo distintos.

      Mais, no futebol de formação tu queres é tudo menos padrão. Ali o que interessa é a relação do jogador com a bola, com os companheiros, com o espaço e com os princípios específicos do futebol.

      Pessoalmente, não é por aí. A distinção faz-se no momento certo. Repara que ainda hoje o Hélder Cristóvão fala de um jogador dele que ainda era muito verdinho em termos tácticos e que estava a trabalhá-lo nesse sentido. O que é normal. Aliás, perante uma diferença abismal da qualidade nos escalões mais jovens entre as equipas tipo Benfica e outras de menor nomeada, as conquistas são praticamente feitas com o talento e a qualidade que propriamente com a táctica.

      O hiato existe quando o jovem jogador joga contra jogadores que têm mais anos de futebol que eles de vida.

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    2. António Madeira12/09/16, 16:30

      "Mais, no futebol de formação tu queres é tudo menos padrão. Ali o que interessa é a relação do jogador com a bola, com os companheiros, com o espaço e com os princípios específicos do futebol."

      Estou plenamente de acordo. Sou e sempre fui apologista de que se deve privilegiar nas camadas jovens o aspeto técnico e mental, evitando sobrecarregar os miúdos com amarras táticas e posicionais que lhe toldem o normal desenvolvimento. Não obstante, tinha a ideia (errada, pelos vistos) de que o sistema poderia ser desenvolvido desde mais cedo, mas, obviamente, sabia que quem lá está sabe muito mais disto do que eu, que sou um leigo na matéria. Fico mais esclarecido.

      Aproveito o ensejo para lhe agradecer por manter aqui um debate saudável sobre aquilo que mais interesse: o Benfica.
      Saudações.

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    3. Agradeço o elogio António Madeira. ;)

      Sobre os miúdos e os sistemas táticos, repara que os miúdos até aos 14 anos jogam futebol 7, depois têm 3 anos até aos seniores em futebol de 11, por isso é que o essencial é eles descobrirem o jogo.

      Se formos a ver bem, não é assim tanto tempo de experiência quanto isso, que se possa operacionalizar modelos de jogo mais complexos como aquele que o Benfica usa, que é um modelo de posse e de pressão sobre o adversário.

      Depois, há outra coisa que gostava de salientar: o Guardiola usa um 4-3-3 para expressar o seu modelo que não difere muito daquilo que o Benfica está a implementar, mas em 4-4-2.

      Na realidade, e isto é um assunto para outros artigos, cada vez mais deixa de existir um sistema de jogo rígido. A tendência é para os sistemas híbridos.

      O Guardiola por exemplo, basicamente joga quase sempre com duas linhas e não com três, formando um 0-3-6 ou um 4-5-0, dada a forma como os jogadores atacam e defendem de forma compacta.

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    4. António Madeira13/09/16, 06:56

      Há um aspeto que, julgo, vale a pena referir.
      Embora haja vários jogadores na equipa B que chegam das camadas inferiores do clube, outros há que vêm de fora. Claro que esses são escolhidos porque alguém viu neles capacidades que podem ser desenvolvidas tendo em vista a sua utilidade para a equipa A. (isto para não falar na vertente meramente financeira, que vou excluir para não entrar no que não interessa aqui para o caso).

      Ora isto levanta uma questão que não sei se é abordada pelo Benfica e que vejo como cada vez mais crucial para o sucesso no desporto de alta competição: o desenvolvimento das capacidades cognitivas.
      A neurociência deu um salto de gigante nos últimos anos e eu sei que há clubes europeus que já treinam os seus jovens tendo em vista esta vertente. É nestas idades que se treinam e adquirem capacidades cognitivas (de reação, antecipação, previsão, reconhecimento de sinais corporais, anulação de reflexos) que vão muito além da preparação e crescimento físicos.
      Eu não sei se isto é feito no Benfica, se são usadas técnicas e ferramentas para este desenvolvimento, mas tal como se deu um salto enorme na preparação física há 20 anos, estou certo de que, a curto prazo, o salto na preparação cognitiva será um ingrediente crucial na diferenciação do jogador de futebol moderno. Como escola de formação e como sustentáculo para o futuro do Benfica, é isso que espero que venha a acontecer: que a equipa B seja o último estágio, onde se mistura uma formação de elite no clube, com jogadores vindos de fora que possam realmente acrescentar e/ou assimilar rapidamente esses conceitos.

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    5. O desenvolvimento das capacidades cognitivas do jogador é feito com o ensino dos princípios específicos do jogo. Uma coisa é chegar a um tabuleiro de xadrez e movimentar as peças como bem quer. Outra é movimentar-se segundo algumas regras. As decisões depois dependem da cabeça e experiência de cada um. A maior parte dos jogadores vê o jogo um pouco de forma anárquica, sem entender que há formas eficientes e eficazes de jogar: os princípios específicos do jogo. Depois, no máximo jogam segundo receitas de treinos específicos nos treinos. É o que acontece com as posições dos centrais na saída de bola, ou as movimentações standar dos laterais. A maioria faz porque o treinador manda. Mas, se tivessem bem presentes os princípios específicos, como a penetração, a cobertura ofensiva, a mobilidade, o espaço, etc. não era necessário tantos treinos de receita. Os próprios jogadores teriam logo uma base que lhes permita compreender melhor o jogo. Por exemplo, o que o indelöf faz quando tem a bola nos pés chama-se penetração. Faz-lo porque tem espaço livre à frente que permite transportar a bola e assim atrair um adversário. Ao atrair um adversário está abrir um espaço nas linhas defensivas do adversário e que deverá ser aproveitado por outro colega. Quando fixa o adversário é o momento certo para o sueco libertar a bola e é o que ele faz. Caso o adversário não está fixo, ele continuará com o transporte. Outro que tem os princípios de jogo bem assimilados é o Grimaldo. Enquanto todos os outros laterais só fazem um tipo de movimentos, i.e., sobem e descem pelo corredor lateral, este jovem espanhol sabe que muitas vezes terá que subir pelo flanco, outras pelo corredor mais central. O critério é onde houver espaço. E, poderia dar mais exemplos.

      A inteligência de jogo tem muito a ver com a absorção destes princípios ou ter intuição para os ter. As boas formações hoje em dia ensinam isto. É o que acontece com a seleção alemã, por exemplo.

      Agora também te digo o seguinte: não devemos decidir pelos jogadores, como se tivéssemos um comando da playstation na mão, as decisões dos jogadores. Por exemplo, na situação que descrevia atrás do Lindelöf, haverá um momento em que ele poderá libertar a bola e em boas condições poderá ter 3 ou mais linhas de passe livres. A decisão para onde deverá ir a bola é e deve ser sempre da cabeça dele. Um treinador pode e deve fazer apenas o seguinte: recordar ao jogador que tem outras linhas de passe, se ele estiver sempre a passar para o mesmo lado. Agora, no meio do treino ou do jogo, comandá-lo a passar de determinada forma é castrar a sua criatividade e tomada de decisão.

      Quanto mais o jogador treinar, mais experiência e mais situações de decisão terá que definir e isso pode fazer a diferença.

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    6. António Madeira14/09/16, 19:36

      Ponto assente: nada supera a experiência da repetição. É com ela que o cérebro cria redes neurais mais eficazes. E não se pense que cria mais. Pelo contrário, anula as sinapses que não são úteis e foca-se nas que produzem o melhor desempenho, consoante a tarefa ou desporto. Isto é o que está a ser explorado em vários laboratórios de treino pela Europa, e será padrão num futuro próximo.
      Existe depois o talento inato. Uma predisposição e um rearranjo mentais que permitem ao jogador fazer coisas de forma muito mais precoce e naturalmente.
      E depois há aptidões cognitivas que se ensinam. Sim, ensinam. A inteligência periférica que víamos no Benckenbauer, no Guardiola ou no Pirlo era inata, advinha da sua inteligência aliada ao treino (com todas as vertentes que esse treino abarca, incluindo a relação humana com treinadores e colegas), mas o que está hoje sobre a mesa, é que essa inteligência é possível de ser incutida, treinada e assimilada como nunca antes. Em Inglaterra e em França, esse treino cognitivo, com ajuda de tecnologia de ponta e treinadores cerebrais, é já uma realidade, e não só no futebol, mas em todo o desporto de alta competição.
      Ainda não há dados concretos sobre os resultados no futebol, pois estamos a falar de uma geração que ainda não chegou ao topo, mas iremos vê-los em breve.
      De referir que os resultados da Inglaterra nos Jogos Olímpicos do Rio estão diretamente relacionados com esta nova vertente do treino.

      Nos exemplos do Grimaldo e do Lindelof, com os quais eu concordo por serem dois jogadores com uma capacidade cognitiva (de ler o jogo e de reagir a ele) muito acima da média, espero que o Benfica compreenda (acredito que sim, se não eles não estavam lá) que é por aí que passa o futuro.
      Nos desportos individuais, a diferença percentual que esse treino traz, produz medalhas e recordes; nos desportos coletivos, essa diferença é mais difícil de quantificar, mas para quem vêm futebol, a diferença entre um jogador que sabe ler o jogo e reagir corretamente a ele com maior frequência é algo que salta imediatamente à vista, por isso, acho mesmo que iremos ver uma transformação para melhor nesta vertente, o que trará um futebol menos físico e mais cerebral, mais técnico e, espero eu, mais espetacular.
      Dizer que o futuro do Benfica está no Seixal não é apenas cliché, é um projeto que outros grandes clubes europeus abraçaram e do qual já colhem frutos (estejam atentos ao renascimento do Lyon e do United, por exemplo) e apraz-me ver que o clube conseguiu mudar de paradigma em primeiro lugar em Portugal, pois é esse avanço que nos poderá vir a devolver a hegemonia nacional e a presença assídua entre o G8 lá fora.

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  2. Julgo que o Hélder é um bom Técnico e tem feito um bom trabalho,mas já percebi que é muito ingrato devido à enorme volatilidade do plantel que tem disponível. Julgo que essa volatilidade - deslocação de jogadores - não deve por em causa a competitividade, sob pena de ocorrer uma desvinculação do jogador da determinação de vencer. Esta, é uma questão cultural que não deve perder-se, sob nenhum pretexto.

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    1. António, a este nível penso que isso nunca ocorrerá. E, se ocorrer é sinal que o jogador também não terá mentalidade para atingir a elite. Estamos a falar de um contexto que possibilita a qualquer um daqueles miúdos poder seguir uma carreira futebolística profissional de qualidade. Por mais perneta que ele seja naquela equipa vai ter futuro no futebol profissional, nem que seja na 1ª Liga num cube modesto.

      A volatilidade não pode ser vista como um problema, mas sim como uma oportunidade. Dei o exemplo da recuperação de jogadores da equipa principal que estão muito tempo sem competir. O Hélder hoje deu outra solução: chamar júniores. Depois o plantel da equipa B, não é formado por apenas 18 jogadores...

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  3. eu achei interessante a dupla de meio campo do benfica com pepe e guga, cada vez mais e principalmente no plantel principal privilegia se a capacidade tecnica a fisica

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    1. É preciso ambas. Basta olhares para o Fejsa, Matic e outros que por lá passaram.

      Há pessoal que tende a ser um pouco extremista. Ou seja, uns dizem que naquela posição do meio-campo tem de ser um jogador potente fisicamente. Outros dizem que o ideal é o jogador tecnicista. Para mim, o ideal é ele ter qualidade... Há jogadores que são fisicamente potentes, mas depois não sabem usar o corpo como deve de ser. Exemplo: Talisca. Outros são tecnicamente dotados, mas depois são uns manteigas no contacto físico. Exemplo: Talisca.

      E, antes que venhas dizer que poderei ter repetido o nome dos exemplos por descuido, fiz-lo de propósito, para poder usar um bom exemplo de um jogador que aparentemente tem tudo, mas falta-lhe algo mais... a inteligência.

      Acima de tudo, é a inteligência do jogador que fará com que ele use o que melhor ele tem para dar ao jogo e que se sinta confortável. Por isso, é que há jogadores que como médio-defensivo são baixinhos mas de enorme sucesso (exemplo o Petit e o Makelele) e outros são gigantes e mantêm o mesmo sucesso (como o Matic e o Fejsa).

      Pêpê e Guga são de facto muito interessantes, mas ainda precisam de aprender muito. Faltam-lhes uns 50 jogos na 2ª Liga para ver no que realmente vão dar... agora, está ali muito talento e qualidade. Vamos lá ver se eles não se desfocam nesta fase crucial das suas carreiras.

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