26 janeiro 2013

Bruno César: o reflexo de uma política desportiva


Fará sentido vender um dos melhores jogadores encarnados, e um dos que mais deu nas vistas, na época passada? Ainda por cima, somente pelo preço de custo? E apenas após época e meia?



A opinião generalizada
Basicamente, a maioria dos comentários que leio e oiço sobre a saída do brasileiro, para o Al-Ahli da Arábia Saudita, considera bem a sua venda, pois não estava a jogar, nem a render esta temporada.

Para "gordinho" até que o Bruno César estava em grande
forma, visto que deixou meia equipa do Nacional para trás...
Alguns foram mais longe e brincaram um pouco com a fisionomia do agora ex-camisola 8 encarnada para explicar o seu mau momento esta temporada. É que o jogador tem de facto um físico entroncado e com os seus braços compridos, dá ainda mais a sensação de que está com um peso superior ao aconselhável para a sua altura. Nada de mais errado! Talvez os mesmos que tecem essas críticas, não tenham visto o grande Isaías a jogar na Luz, ou então o Maradona com o seu corpanzil robusto, mas pequenino em altura...

De qualquer das formas, poucos foram os que tentaram entender os motivos que levaram o Bruno César a decair de produção de uma época para a outra.


O motivo das más exibições
Para entender o porquê da quebra de rendimento desportivo de uma temporada para outra do Bruno César, é necessário contextualizar um pouco a sua contratação. O brasileiro chega à Luz rotulado de número "10", mas capaz de fazer todas as posições do meio-campo ofensivo e do ataque. Nos bastidores, ouvia-se que tinha sido contratado para preparar a substituição de Pablo Aimar, como unidade mais criativa do meio-campo ofensivo. Contudo, raramente foi utilizado nessa posição "10".

Em 2011-2012, com a saída de Salvio, de regresso ao Atlético de Madrid, clube que o tinha emprestado ao Benfica em 2010-2011, e com alguns problemas físicos e quebras de forma do Nico Gaitán, foi o Bruno César a fazer essa posição da ala direita. Aqui, o camisola 8 encarnado, conseguiu adaptar-se ao ritmo mais rápido e intenso do futebol europeu, tendo contribuído com 13 golos na sua temporada de estreia. Nada mal para um estreante, não acham? Ah! E, não jogou apenas nessa posição nessa temporada!

O "bola 8" a jogar como falso extremo-direito
na época passada.
Mesmo jogando numa posição que não era a sua, o Bruno lá conseguiu render. Contudo, no início desta temporada, com a contratação de Salvio e de Ola John, a posição de extremo direito ficou com dois especialistas. Tendo em conta o avultado investimento financeiro nestes dois atletas, era muito provável que o Bruno perde-se a posição. No entanto, isto também poderia significar que esta temporada seria a sua época de afirmação como "10". Nada de mais errado! Se Ola e Salvio foram contratados para a ala direita, para o ataque foi contratado o Lima. Atendendo que Cardozo é o titular, sobrava Rodrigo, Aimar e Bruno César para jogarem ao seu lado. Mas, agora havia também Lima. Para agravar a situação do camisa 8 encarnado, Jorge Jesus preferiu uma estratégia de jogo que implicasse o uso de dois avançados declarados, pelo que desde muito cedo Rodrigo e Lima foram as principais soluções para acompanhar o ponta-de-lança paraguaio.

Com isto tudo, mais o facto de Nico Gaitán e Nolito terem tido alguns problemas físicos no início desta temporada, levou a que "Jota-Jota" apostasse no Bruno para a posição de médio-ala/extremo esquerdo. Ora nesta posição, embora o brasileiro tivesse uma boa capacidade de passe, faltava-lhe outras características para que tivesse conseguido um melhor nível exibicional. Talvez com mais treino e mais jogos ele tivesse atingido um patamar mais elevado... Contudo, não lhe foi dada essa continuidade, pelo que assim tornou-se difícil segurar o lugar. Mesmo assim, após alguns jogos já tinha feito algumas coisas interessantes naquela posição, tais como alguns cruzamentos da esquerda que resultaram em golo para a equipa.

O "Chuta-Chuta" era também importante
nos lances de bola parada.
O resultado é que assim que Nico Gaitán e Nolito recuperaram, e depois de Ola John estar mais adaptado às ideias de jogo do Benfica, o Bruno César foi empurrado para outra posição. Desta feita, com as lesões crónicas de Carlos Martins e de Pablo Aimar, mais a venda de Witsel e tendo que debater com a gestão de esforço de Enzo Pérez, o brasileiro era agora a solução para a posição 8, a de médio-centro com tarefas mais ofensivas. Começou a jogar nos jogos da taça da liga e da taça de Portugal e o que é certo é que depois de um ou dois jogos, começou a adaptar-se bem à posição. Pelo menos via-se bons pormenores. Via-se um espírito guerreiro e com qualidade ao nível do passe. É óbvio que ainda cometia alguns erros, mas por acaso até parecia que ele tinha encontrado uma nova posição onde poderia afirmar-se.

Mas, mais uma vez, com a recuperação de Carlos Martins e de Pablo Aimar, dois jogadores que podem fazer aquela posição, a utilidade do Bruno foi posta de parte. Enfim, o brasileiro foi de facto um autêntico bombeiro do meio-campo ofensivo/ataque para Jorge Jesus.

Tendo em conta toda esta história, como é que poderemos afirmar categoricamente que foi uma boa venda porque "não estava a jogar nada"?! É óbvio que ele não poderia jogar grande coisa, pois raramente tinha essa oportunidade e para além disso quase nunca jogou na posição para o qual foi contratado!


Reflexo de uma má política desportiva
Muitos poderão contra-argumentar com o seguinte: "se ele não rendia porque não jogava na sua posição e se o Benfica joga com uma estratégia táctica que não necessita da sua posição, então foi melhor assim e ele ter sido vendido". Este raciocínio lógico até é válido. No entanto, carece do seguinte que considero muito importante e preocupante: mudamos de estratégia desportiva como quem muda de camisa.

Recordo o que tinha escrito acima, de que a contratação de Bruno César foi uma contratação pensada e debatida pela estrutura de futebol profissional do Benfica (ele foi contratado em Março de 2011 para jogar na época de 2011-2012). Passado época e meia descobrem que ele afinal já não serve? Então e a responsabilização por tudo isto?

Como é possível de uma época para outra
desfazer esta dupla de alas?
Até podem dizer que o Bruno César foi agora vendido pelo mesmo preço que nos custou... mas, então e os ordenados ao longo deste ano e meio? E os juros do empréstimo bancário contraído para pagar a sua transferência? Quem os paga?! Mais importante ainda, esteve-se época e meia a treinar um jogador que afinal de contas não servia para o clube, quando se calhar poderia-se ter perdido tempo com outros jogadores que entretanto foram emprestados e dispensados.

Quero deixar bem claro que na altura em que o Bruno César foi contratado, eu achei uma má ideia. Havia um miúdo chamado David Simão, que hoje está emprestado ao Marítimo e é pré-convocado para a selecção nacional, que poderia ter tido mais espaço na equipa principal do Benfica em 2011-2012 e que não teve também por causa da contratação do brasileiro. E para quê? Porquê estas constantes mudanças de estratégias desportivas?

Ainda à pouco tempo, num artigo sobre o clássico da Luz, frente ao Porto, escrevia sobre a importância da continuidade dos atletas nos clubes e os seus efeitos positivos a médio e longo prazo, por oposição a constantes mudanças. Este exemplo do Bruno César, acaba de certa maneira por reflectir o porquê de muito do nosso insucesso desportivo. Estamos sempre a mudar as bases quando nem sequer conseguimos consolidá-las.


Interesses e padrões
Mas, quem terá interesse nestas constantes mudanças de jogadores? Para responder a isto, basta recordar ao leitor que cada mudança de jogador (venda ou compra), envolve sempre dinheiro, muito dinheiro! E onde há dinheiro, há diversos interesses de terceiros. Sejam eles empresários ou investidores, passando até mesmo pelos próprios dirigentes e atletas, todos eles têm interesses que colidem muitas vezes com os superiores interesses dos clubes. O que acontece é que há pessoas mais sensíveis às "regras do jogo" e percebem qual o melhor momento e qual o número de mudanças que se deve fazer na sua equipa para que esta não se ressinta desportivamente. E, já agora, quais as mudanças que acabarão por trazer dividendos desportivos e financeiros.

Já agora seria interessante vê-lo contra o
Braga este sábado, não acham?
Ora, na Luz, talvez pela grandeza do clube (leia-se riqueza), existem muitas opiniões, muitas centros de decisões e muitos interesses próprios. Isto provavelmente acaba por fazer borbulhar várias ideias, cada uma diferente da outra e muitas antagónicas. Daí que haja tantas mudanças em curtos espaços de tempo. Este entra e sai de jogadores acaba por beneficiar todas as partes envolvidas, excepto o clube, tanto ao nível desportivo como financeiro.

Reparem no padrão, por exemplo para a posição de extremo direito do clube. Em 2008-2009 contrata-se o uruguaio Urreta, uma promessa do futebol mundial na sua posição. Em 2009-2010, consegue-se através de uma parceria com um grupo de empresários e investidores colocar na Luz um jogador da classe do Ramires, internacional brasileiro. Urreta é emprestado e até podemos aceitar dada a qualidade do internacional canarinho. No ano seguinte, esperava-se ser o ano da aposta do uruguaio... errado! Chega à Luz, o jovem argentino Salvio, emprestado pelo Atlético de Madrid. Tem qualidade, mas o Urreta também tem... para além disso passou-se o ano inteiro a formar o atleta à posição para depois em 2011-2012, retornar à casa mãe. Nessa temporada chega o brasileiro Bruno César que é encaixado nessa posição de extremo direito, mesmo não sendo a sua de raiz... e Urreta continua emprestado e não valorizado... Ou seja, andamos com um investimento de 2008-2009 até aos dias de hoje sem aproveitar o rendimento desportivo, nem tão pouco valorizando-o financeiramente!?

Existem muitos outros exemplos no Benfica que verificam esse padrão da política desportiva dos encarnados. Há um claro esbanjar de recursos e isso reflecte-se nas contas finais do clube, que mesmo não sendo péssimas para a direcção, poderiam ser muito melhores para o clube. O mais provável é que com uma política mais assertiva, mais racional, mais optimizada e mais realista, teríamos melhores resultados desportivos e financeiros!


O melhor aproveitamento do "Chuta-Chuta"
"Chuta-Chuta"! Quem é que não gritou nessa
jogada?!
Com Aimar e Bruno César, Jorge Jesus poderia adoptar o 4-2-3-1 no Benfica. Neste esquema, Carlos Martins e Nico Gaitán até poderiam ser soluções pontuais para a posição "10". Estou convicto que o camisa 8 teria sucesso nessa posição. É claro que iria necessitar de adaptação, mas com um mestre como Aimar a sua aprendizagem poderia ter sido rápida.

Por seu turno, Bruno César poderia oferecer algo mais que o Aimar não poderia, i.e., uma maior capacidade finalizadora. Se há característica que ficou bem demarcada pelo brasileiro na época passada, foi exactamente a sua apetência para o golo. Um posicionamento mais frontal da baliza acabaria até por ser mais útil para aplicar o seu reconhecido remate, pelo que a alcunha de "Chuta-chuta" iria espalhar-se ainda mais. A qualidade de passe e capacidade de decisão do argentino, essa com o tempo e trabalho iria sendo trabalhada pelo Bruno César...

Digam lá se o Zanaki não parece o Park Jae-Sang, mais conhecido por Psy, autor do
êxito "Gangnam Style"?



PS 1: Por coincidência vejam só o que o Bruno César disse hoje sobre a nossa equipa e que acaba por reflectir o porquê da sua perda de espaço no onze titular:
«Veio não só o Lima, mas também o Ola John e o Salvio. Todos os que chegaram deram uma grande ajuda. A chegada de Lima foi uma sombra para o Cardozo, que começou a render mais e a fazer mais golos. O Benfica está no caminho certo e tenho a certeza que vai ser campeão.»

PS 2: Já votaram para a eleição do melhor jogador encarnado em 2012 para a posição 11, a de médio-ala/interior/extremo esquerdo?

9 comentários:

  1. Concordo a 100%. Sei que ele foi muitas vezes criticado e que fez tambem mas exibiçoes. Mas um jogador que na epoca de estreia na europa consegue os numeros que o bruno cesar teve e ainda por cima numa posiçao diferente do que estava habituado demonstra a qualidade real do jogador. Esta epoca perdeu espaço é verdade e acho que gaitan, salvio e ola jonh sao superiores nas alas mas no centro penso que vai fazer muita falta. Foi, para mim, um erro e so espero nao me lembrar da saida dele em maio.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu só não consigo como podem mudar de estratégia em pouco tempo para com um dos investimentos mais pensados (tendo em conta o anúncio e o tempo da sua contratação)...

      Eu até nem fui a favor da sua contratação naquela altura, mas sinto um bocado triste com este tratamento. É prejudicial para o jogador e sobretudo para o clube que tanto investiu (em tempo, dinheiro e outros recursos).

      Eliminar
  2. Obviamente que seria melhor a saída de Carlos Martins, mas faltam-nos muitos dados internos... gostei do teu artigo, mas as coisas as vezes não são assim tão lineares, pois apesar da grandíssima primeira época, Bruno César teve uma queda física brutal ao qual a direcção reagiu automaticamente com a sua venda... algo se passou!
    Parabéns por mais um excelente artigo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Mas, a queda física não se trabalha?

      Engraçado verificar que os dois "10" de raiz do plantel (Aimar e Bruno César) são aqueles com maior quebra física... porque será?

      Se ao Aimar tem tido o problema de lesões, também é bem verdade que o Benfica não joga com um "10" clássico, daí que também estes dois atletas não possam estar bem fisicamente.

      Eliminar
  3. E se o jogador está esgotado fisicamente? E se existem indicadores dos fisioterapeutas do clube que indicam que os índices estão muito maus? Acham que o Benfica iria dizer isso publicamente? Lembram do Sérgio Conceição? Num certo ano teve os melhores teste físicos de jogadores na Europa! Era uma máquina! Confio na decisão interna de vender.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não há treino para isso? Penso que essa desculpa é muito frágil... estamos a falar de um investimento que foi pensado para uma determinada posição e ideia de jogo no Benfica, que em menos de uma época foi alterado... para mim, isto não faz sentido! É um esbanjar de dinheiro e de recursos!

      Enquanto outros contratam com critério e para determinada posição, trabalhando-as como mais valias, nós andamos a comprar e depois a mudar as estratégias consoante o vento... é óbvio que depois nos grandes momentos tudo isto nos retire vantagens...

      Por exemplo, nas últimas três épocas acabámos por remodelar a 100% a posição de extremo direito, em todas elas... se adicionarmos mais duas ou três posições em campo por época, percebe-se que estamos todas as temporadas a reconstruir uma equipa praticamente inteira. Já outros sai um ou dois e entram outros idênticos...

      Eliminar
  4. Não sei porque consideras o caso bruno césar o exemplo de uma má politica desportiva. Na realidade, e lendo o excelente levantamento de factos que fizeste, até se pode considerar o inverso.

    Foi uma uma boa contratação. Fez uma boa primeira época em que realmente não jogou na posição onde supostamente renderia mais mas foi um bom "tapador de buracos". Marcou muitos golos e fez muito bons jogos entre alguns não tão bons - lá está, jogou numa posição em que não estava muito habituado. Mesmo assim, serviu muito bem o Benfica. Não foi uma contratação falhada.

    Para esta temporada o Benfica teve a oportunidade de contratar os ditos "especialistas" para as alas. Claro que o Bruno César teve de perder espaço - A suposta posição onde ele rende mais não existe no esquema do Benfica. Para as alas estamos agora melhor servidos, para as 2 posições da linha avançada também e restava o meio campo. Acontece que o Enzo é realmente melhor do que o Bruno César naquela posição. Ainda foi testado lá e parecia estar a adaptar-se ao lugar nos poucos jogos que fez mas...nunca deixaria de ser um suplente! Ainda para mais, com a subida de escalão do André Gomes, e a existencia a espaços de Carlos Martins e Aimar, será que o Benfica tem capacidade para ter 5 milhoes no banco de suplentes tendo outros jogadores para esse mesmo banco que poderiam fazer os lugares do Bruno César com a mesma eficácia? Julgo que não.

    Posto isto, O Benfica tirou o melhor rendimento do jogador e despachou-o quando não precisa mais dos seus préstimos.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim... e não achas que para tudo isto não teria utilizado outros jogadores que já tinham contrato connosco?

      Por exemplo, o Urreta? Se era para isso, não teria sido melhor poupar os 5.5 - 6 M€ e apostar no miúdo que já era o melhor jogador da segunda liga, o Miguel Rosa, que também joga nas alas?

      A mim, preocupa-me estas mudanças das tomadas de decisões e também todo o gasto que daí advém... é óbvio que há gente a lucrar com esta entropia toda!

      Eliminar
    2. também concordo que há muita gente a lucrar com as compras e vendas, mas não julgo que este seja o melhor exemplo disso. O Bruno César é muito mais jogador do que o Urreta ou o Miguel Rosa. Ele era titular no corintians e veio para ser titular no Benfica.

      Agora, como suplentes, vejo perfeitamente o Urreta e o Miguel Rosa na equipa e julgo mesmo que era bom para o Benfica vender o Nolito e apostar no Miguel Rosa para o lugar dele (que é o banco)

      Eliminar