15 dezembro 2015

Nivelação


Porquê apostar em Renato Sanches e Gonçalo Guedes a titulares quando estes têm demonstrado ainda tantas lacunas?


Esta é uma questão que mais me intriga e tenho pensado muitas vezes nos últimos encontros. A única resposta que encontro está na tentativa de nivelação do plantel por parte de Rui Vitória. É a única resposta com sentido, senão vejamos...

Se há uns tempos atrás, Gonçalo Guedes era titular, porque faltava alternativas, hoje em dia tal já não acontece, pois Carcela apresenta-se completamente recuperado fisicamente e tem demonstrado outro à vontade sempre que está em campo. Então porque continua a apostar no jovem craque? Da mesma forma, Renato Sanches parecia a aposta mais racional à semanas, uma vez que: o Fejsa estava a terminar de recuperar de uma lesão, o Samaris estava a cumprir castigos, o Talisca não estava a passar uma boa fase, o Cristante estava sem ritmo e o João Teixeira acabava de se lesionar. Mas, agora o cenário é diferente. O sérvio e o grego estão aí para as curvas e tendo em conta que o Renato também ele tem tido algumas dificuldades em interpretar o papel de "8" em campo, porque é que se continua a apostar no miúdo-maravilha?

A única resposta plausível que encontro é a nivelação do grupo de trabalho. Ou seja, reaproximar o nível futebolístico de todo o plantel. Isto não é de todo infundável quando ainda à poucas semanas, mais concretamente após o triunfo em Braga, ouvia-se o Rui Vitória comentar o seguinte:
«... alguns (jogadores) com ritmo diferentes, mas há aqui muita alternância do passado recente em relação à intensidade. Há jogadores que têm jogado mais, há jogadores que têm jogado menos. Outros que vêm de lesões. Às vezes não é fácil pôr esta gente toda a render duma forma equilibrada. Ganhámos também mais jogadores com isso e a equipa está preparada para o que aí vem...»
As repercussões futuras serão excelentes, uma vez que dentro de alguns meses, e quando a fase de decisão da temporada surgir, o RV poderá contar com um grupo mais coeso, homogéneo e resiliente face às possíveis adversidades que possa encontrar nessa fase - leia-se lesões, castigos, abaixamentos de forma e rendimento. Nessa altura, o treinador dos encarnados terá muitas mais soluções prontas a entrar em campo e sem fazer perder qualidade de jogo. Neste contexto, apoio o técnico encarnado e agrada-me a visão que ele está a ter a médio e longo prazo.

Aliás, para ser correcto, o Rui Vitória que muitas vezes é muito criticado por todos, tem-se mantido fiel aos seus princípios e ideias, e esta ideia de nivelar todo o grupo de trabalho não é peregrina. Já vem desde o início da temporada. Primeiro foi com o Nélson Semedo. Depois com o Gonçalo Guedes. De seguida, com o Pizzi e Talisca. Agora com o Renato Sanches. E, pelo que ele tem dado entender não ficará por aqui, "mais estão na calha". Isto vai muito contra as críticas dos que dizem que RV não tem métodos de treino e que não sabe treinar equipas, pois se assim o fosse nenhum dos casos seriam de sucesso.

Um treinador deseja que a sua equipa seja muito forte no seu todo. Não apenas alguns
elementos do onze titular, mas sim em todo o seu plantel. Por isso é que se deve trabalhar
 no treino para atingir esses padrões de exigência e qualidade. O saber fazer isso é que é
uma verdadeira arte. E é o que também distingue dos bons e dos excelentes treinadores.

O treino é um processo algo demoroso porque depende não só da qualidade do treino, mas também da forma como ele é apreendido pelos jogadores. E, cada jogador é diferente. Por isso, quando se fala em dotar a equipa de determinados princípios de jogo, não se pode exigir que no jogo seguinte as coisas estejam totalmente corrigidas. Infelizmente (ou felizmente) é "o processo" e leva o seu tempo. Por exemplo, o caso do Pizzi. Rui Vitória tem vindo a trabalhar o Pizzi nestas suas novas funções já à uns meses, sensivelmente um pouco antes do jogo do Dragão, onde o Benfica viria a perder precisamente por um erro do Pizzi que entrara no final do encontro. Os adeptos exigiram logo a cabeça do jogador e chegaram mesmo a deitá-lo abaixo com críticas bem injuriosas e injustas. No entanto, fiel às suas ideias, o trabalho de treino com o Pizzi começou a surtir efeito e hoje em dia é um dos elementos chaves do nosso onze titular. Se o RV não dominasse a periodização táctica, com os seus microciclos, mesociclos e macrociclos, Pizzi teria sido descartado e o treinador iria entrar numa fase de teste com diferentes jogadores até que um colasse na função. Aliás, como muitos fazem no futebol nacional.

No entanto, é preciso ter muita atenção à realimentação do processo. O que quero dizer com isto? Refiro-me a estar consciente sobre todos os outros jogadores do plantel para evitar quebras anímicas. Sobretudo, com aqueles que competem para as mesmas posições em campo que certos jogadores que estão a ser cirurgicamente mais em foco por parte da equipa técnica. Um exemplo cabal, é o do Gonçalo Guedes. Neste momento, e porque eu considero que o mesociclo de aprendizagem intensiva do jovem encarnado está já completo, não vejo vantagem em mantê-lo no onze titular quando o marroquino Carcela tem dado excelentes indicações. Opinião diferente tenho do Renato. É verdade que ele não tem estado muito bem nos últimos jogos, mas também é bem verdade que estará ainda a percorrer o seu mesociclo de treino relativo às funções em campo. Por mim, terminava essa fase para fazer uma avaliação correcta da resposta do atleta ao treino intensivo e depois proferir uma resposta. Tal como se fez com o Talisca, que muitas vezes mesmo jogando mal, foi mantendo o seu lugar porque estava no seu mesociclo. Durante este período, ele treinava, jogava, corrigia e recomeçava o novamente este ciclo intensivo, até que chegou a uma fase de reavaliação. 
Nota importante: normalmente os conceitos de microciclo, mesociclo e macrociclo estão inerentes à equipa e não aos jogadores, como aqui foi referido. Muitas vezes, quando o nível dos jogadores é muito idêntico, elas se coincidem. No entanto, quando tal não acontece e em alta competição, é fundamental que o treinador saiba entrar ao nível do treino individual para além da camada de treino global, pelo que poderemos estabelecer planos de treino individuais aos jogadores. Nessas situações é normal teres vários macrociclos a serem executados dentro do macrociclo da equipa.
Por curiosidade: um plano de treino anual é composto por 3 estruturas: a macroestrutura chamada de macrociclo, a mesoestrutura chamada mesociclo e a microestrutura chamada de microciclo. O macrociclo está dividido em 4 mesociclos ou períodos: o preparatório (início da competição, primeiros 3 meses), o competitivo I (semestre de competição), o competitivo II (fase de decisões das competições) e a transição (final da temporada/férias, não confundir com transições rápidas). Por sua vez cada um destes mesociclos está dividido em microciclos. Por exemplo, o mesociclo preparatório é constituído por 5 microciclos. O mesociclo competitivo I é constituído por 29 microciclos. O mesociclo competitivo II é constituído por 9 microciclos. E o mesociclo de transição é constituído por 6 microciclos. Estes valores são de referência podendo ser alteráveis consoante as situações.
Estas fases de reavaliação são importantes para aferir em que ponto da formação, do crescimento e da integração está o jogador. Na minha opinião, o que aconteceu com o Talisca nesta fase foi um bom exemplo de como o mecanismo de realimentação e a atenção a outros jogadores do plantel em melhor forma, funcionou correctamente. O jovem baiano não tendo atingido os resultados propostos foi substituído pelo jovem Renato que nas equipas jovens dava indicações muito favoráveis. Isto fomenta a competitividade interna e por conseguinte um crescimento mais rápido dos jogadores e da equipa. Agora, é preciso que a equipa técnica não coloque totalmente de parte os jogadores preteridos. Neste caso o Talisca. É importante que saibam focá-lo no trabalho e melhoria contínua. Quando o RV diz que  "comigo não há jogadores à parte" estou certo que é isso que ele vai fazer. E, ainda bem!

Gostaria também de adicionar que ambiente competitivo nacional também ajuda a este tipo de políticas. Quanto a mim, em Portugal existe a maior diferença qualitativa entre equipas do mesmo escalão dos 10 maiores campeonatos da Europa. Isto possibilita que a aposta em jovens jogadores num número elevado como o Benfica tem feito esta temporada seja possível. Ainda por cima numa equipa em construção e em renovação, sob a orientação de uma nova equipa técnica. É verdade que há jogos em que a equipa não tem o controlo absoluto do jogo, mas isso representa aquilo que RV refere-se a "dores de crescimento" e é uma consequência natural desta política. Agora é importante distinguir esta política encarnada das demais políticas ditas de formação até agora utilizadas no futebol nacional. Enquanto que no Benfica tenta-se apostar com critério e por etapas, nas políticas anteriores de outros clubes, apostava-se cegamente por necessidade e muitas vezes sem base estrutural. É muito importante que os adeptos, sobretudo os encarnados saibam a distinção entre estas.

O calendário competitivo nacional e o encarnado em particular ajuda imenso a que se possa colocar em prática esta nivelação do plantel encarnado. Neste momento, até à primeira fase de grandes decisões, leia-se até ao jogo dos 1/8 final da Liga dos Campeões, faltam cerca de 3 meses, o suficiente para que Gonçalo Guedes e Renato Sanches já estejam perfeitamente entrosados com o modelo de jogo de RV. Assim se espera!

Ao nivelar positivamente a equipa, Rui Vitória está a proceder correctamente e está a
adquirir competências que o permitirá ser muito melhor no futuro.

2 comentários: