06 fevereiro 2013

O "quarterback"


Talvez inspirado pela final do futebol americano (Super Bowl XLVII), e por tê-lo visto a jogar na posição 6, no passado domingo, cada vez mais me convenço que o jovem André Gomes poderá ser realmente o nosso "quarterback".

O que é um "quarterback"?
Posicionamento do "quarterback" e outras
posições da equipa ofensiva.
No futebol americano, o "quarterback" (QB) representa a posição em que joga o líder da equipa ofensiva da equipa. O QB alinha-se atrás da linha central, no meio da linha ofensiva. A sua missão é dar início às jogadas e fazer passes para os "wide receivers" (WR), mas também para os "tight ends" (TE), embora em menor número. É também ele que dá a bola para o corredor iniciar uma jogada de corrida, vinda de trás. Esses corredores são geralmente conhecidos por "halfback". Quando se posicionam atrás ou ao lado do QB, são chamados por "fullbacks" (FB). Estes FB têm por missão não só correr com a bola entregue pelo QB, como também fazerem bloqueios para proteger o QB nas jogadas de passe, ou até mesmo proteger a corrida de outro corredor, o chamado "running back" (RB), nas jogadas de corrida. O RB tem como papel principal correr com a bola que pode ser passada para ele pelo QB, ou através de um "snap" directo do "center". Para além de receber, ele também pode ajudar nos bloqueios defensivos ao QB, dependendo da jogada.
 
Ora o posicionamento por si só não define o estilo de jogo dos "quarterbacks". Na realidade, actualmente na NFL (liga de futebol americano) são descritos vários estilos de QB. Há o "quarterbcak scrambler", que é aquele QB que gosta de correr bem pela linha defensiva adversária, como um RB. Muitas vezes também são denominados de "running quarterbacks". Há os "short throw", que fazem passes curtos, criando um jogo rápido e com poucas intercepções. Também há os "long throws", que são especialistas em passes longos, embora haja maior número de intercepções, mas também maior número de jardas e "touchdowns" resultantes. E, temos também os "all rounders", que é como um "jack of all trades", i.e., um sabe fazer tudo, mas não é execpcional em nada.

Em termos físicos, os QB são jogadores, na sua maioria, acima dos 1,85 m de altura. São normalmente jogadores robustos, para o padrão convencional desportista. No entanto, para o futebol americano, são talvez os jogadores mais frágeis fisicamente, mas também porque são os mais expostos a cargas violentas. Em termos técnicos, são os melhores dentro do jogo, sobretudo ao nível do passe. Têm de o ser devido à tarefa nevrálgica que possuem na equipa ofensiva.


Comparações com o futebol
Este é o actual esquema de 4-1-3-2
(4-4-2) encarnado.
Se tivéssemos que comparar esta posição de QB com uma do futebol, qual seria? Muitos provavelmente escolheriam a do "10". Mas que dez é esse? O do meio-campista? O do trequartista? O do avançado? O do extremo? A verdade é que o "10" no futebol está associado ao organizador de jogo, mas também ao jogador mais talentoso e virtuoso da equipa. Acontece é que por vezes estas duas definições não se coincidem.

Noutra perspectiva, o futebol tem mudado imenso nos últimos anos. Antigamente, havia uma clara posição para estes "10". Eram os avançados mais tecnicistas que quando a bola chegava aos seus pés, a equipa começava a girar à sua volta. Por outro lado, sendo os mais talentosos, conseguiam abrir a defesa contrária com jogadas individuais. Exemplos desses "10", temos o Pelé, o "rei" Eusébio e até mesmo o Maradona.

Hoje em dia, já é mais difícil esses "10" existirem, porque simplesmente a organização defensiva sofreu enormes evoluções. Agora, este tipo de "10" não têm muito espaço nem tempo para pensarem e executarem as jogadas. Não é à toa que a posição de trequartista esteja cada vez mais em extinção. Por outro lado, cada vez mais vimos organizadores de jogo a surgirem em pleno meio-campo. Antes eram apenas "carregadores de piano", agora têm missões mais estratégicas. Mas, mesmo para estes, a evolução dos processos defensivos é de tal ordem, que já sentem dificuldades. Por isso mesmo, vemos jogadores como o Pirlo a encontrarem espaço e tempo, na região pendular da equipa, ou seja, na posição 6, a de médio-defensivo.

É por isso que a minha resposta à pergunta inicial seria a posição 6. Olhando um pouco para o esquema da figura acima, mas também para o actual esquema táctico encarnado, podemos entender até, que a posição de médio mais defensivo, é realmente aquela que mais se assemelha à do QB, pois este teria no campo de futebol ao seu lado os laterais ofensivos (o equivalente a RBs) e mais à frente os extremos (uma espécie de WR) e os avançados (que aqui podem ser os TE). Ou seja, é nesta posição que o organizador de jogo ofensivo consegue ver todo o jogo de frente e tem o espaço, o tempo e a protecção (dos centrais, dos laterais e de outros médios), para poder construir o jogo ofensivo da equipa.


Mas, porquê o André Gomes?
André Gomes é um talento com a bola nos
pés e com excelente visão de jogo. E, com
a sua robustez física fazem-no ímpar.
Penso que toda a gente percebe que o jovem André Gomes é de facto um talento valioso. Em termos técnicos é do melhor que existe da formação nacional nos últimos anos. Recepção, passe, decisão, visão, drible está lá tudo. Em termos físicos, é um jogador forte. Ele é alto e embora de estrutura magra tem força e estabilidade motora para manter sempre o equilíbrio. Não sendo um jogador explosivo, enquadra-se no perfil perfeito para aquela posição de campo. Reparar que André Gomes poderá até jogar mais à frente em certos jogos. Mas, olhando para as melhores equipas mundiais e seus sistemas defensivos, mesmo que o potencial deste jogador seja atingido, não creio que seja o suficiente para jogar como um "trequartista", por exemplo. A falta da tal capacidade de explosão, assim como a intensidade mais cerebral do seu jogo não se coaduna com o tempo e o espaço que lhe seria concedido.

Notar que embora estejamos habituados a médios-defensivos de cariz mais destrutivo do que construtivo, a tendência, conforme ficou ficou explicada atrás, é precisamente esta posição ser preenchida por jogadores mais tecnicistas e que saibam sair a jogar em drible e em passe. Se formos pesquisar bem os melhores clubes mundiais e as características dos jogadores nesta posição, verificamos que são todos excelentes do ponto de vista técnico. Por exemplo, Xabi Alonso no Real Madrid, Andre Pirlo na Juventus, Schweinsteiger no Bayern de Munique, entre outros. Já agora, tal como os QBs podem ter vários estilos, também acontece com os médios da posição 6. O André Gomes por reunir várias características físicas, técnicas e mentais, se atingir maior equilíbrio táctico, irá ser concerteza uma referência na posição, pois terá a capacidade de fazer tudo (passe curto, passe longo, transporte com bola no pé, drible, corte, pressão,...) muito bem.

Assim sendo, penso que esta adaptação de Jesus, ao contrário de outras, mas também igual a outras tantas, poderá ser uma excelente adaptação. Aliás, mais do que adaptação, se calhar o André Gomes está na realidade a descobrir a sua verdadeira posição em campo.


Quem poderá lucrar com isto?
A viver a sua primeira convocatória na equipa A da
selecção nacional, fica a questão em que posição irá jogar...
Como é óbvio, o Benfica é o principal beneficiário com esta possível evolução. Não só em termos desportivos, pois ganha um jogador muito importante e necessário para a equipa, como também em termos financeiros, pelos títulos que ajudará a ganhar e por uma possível venda se for a opção da direcção e do jogador.

A própria selecção nacional, é outra equipa que poderá beneficiar imenso com esta evolução. Um jogador jovem mas maduro e com estas qualidades técnicas e físicas, tem de ser aproveitado por uma selecção que tem dificuldades em arranjar substitutos à altura da qualidade da equipa. Aliás, esta convocatória de Paulo Bento poderá demonstrar isso mesmo, muito embora hajam muitas críticas a ela, pois se trata de um jogador que ainda pouco jogou. Não querendo ser nenhum advogado do diabo, penso que a ideia de Paulo Bento será a de começar a integrar o jogador na equipa, para uma futura remodelação. E, verdade seja dita, nada melhor que fazê-lo nos jogos amigáveis.

No entanto, estou curioso para ver em que posição o Paulo Bento irá colocar o jovem jogador. Se a "6" ou a "8" ou a "10" do tradicional 4-3-3, se a "6" numa possível versão de 4-2-3-1 ou até mesmo de 4-4-2. De qualquer das formas, é preciso recordar que o jogador ainda não é um produto feito ou acabado e está ainda em formação. Como tal, é preciso que a bitola de exigência para com ele seja mais moderada. Aliás, este alerta também é extensível a muitos adeptos encarnados que logo após o jogo frente ao Vitória de Setúbal, onde o André teve umas quantas falhas (normais para quem ainda está a descobrir a posição), começaram logo a criticar. É preciso ter calma, paciência e esperar mais um tempo. O Matic que é hoje em dia o melhor médio em Portugal também quando começou a jogar naquela posição teve algumas dificuldades.

6 comentários:

  1. Discordo. Vejo nele um "8" puro. A sua principal característica é, precisamente, a sua "valência" ofensiva e defensiva.
    É um médio centro "à Man United", pau para toda a obra, versátil, ideal para um 4-4-2 clássico.

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    1. Não digo o contrário... mas, repara que o artigo foi escrito à luz do actual modelo encarnado de 4-1-3-2.

      Neste modelo, pessoalmente prefiro um médio, digamos mais "rotativo", como o Enzo, que possa proteger de certa maneira o "6" quer nas tarefas defensivas como nas ofensivas.

      Repara que com centrais que não têm tendência para subir, como os que temos agora, convém ter um médio "defensivo" que seja bom a construir jogo. Basta ver o Matic. O André poderá fazer bem essa posição.

      Por exemplo, o Almeida seria uma solução mais clássica do tipo Javi Garcia para aquela posição...

      De qualquer maneira, foste buscar um excelente exemplo com o Man Utd. O Carrick acaba por ser um "6" e um "8" ao mesmo tempo. O André no Benfica, permitira que a equipa jogasse no meio-campo adversário, o que na prática seria mais um "8" com funções de "6" em "part-time"... se é que me faço entender...

      Já agora, para um 4-4-2 clássico, não achas que falta um avançado que faça melhor a ligação com o Cardozo?

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    2. "Repara que com centrais que não têm tendência para subir, como os que temos agora, convém ter um médio "defensivo" que seja bom a construir jogo".

      Não é totalmente correcto dizer que os nossos centrais não sobem. Eles, principalmente nos jogos em casa, já jogam "subidos" (por vezes perto da linha de meio campo). Mas sim, percebo o que dizes, eles não sobem com bola.
      Quem sobe muito são os laterais, razão pela qual o nosso 6, muitas vezes, tem que recuar para formar quase que uma linha com os centrais. Aqui, nesta fase, o "6" não tem mais responsabilidades de construção do que os centrais...
      Fomos campeões com Javi que, pura e simplesmente, não construia.

      "De qualquer maneira, foste buscar um excelente exemplo com o Man Utd. O Carrick acaba por ser um "6" e um "8" ao mesmo tempo".

      Era precisamente em Carrick que estava a pensar.

      "Já agora, para um 4-4-2 clássico, não achas que falta um avançado que faça melhor a ligação com o Cardozo"?
      Eu não sou apologista do 4-4-2 clássico para o Benfica!
      Aliás, se jogasse em 4-4-2 clássico não actuava com um avançado com as características de Cardozo mas com dois avançados com maior mobilidade como Rooney/Van Persie e/ou Chicharito.

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    3. É preciso ver que com Javi o resto do quarteto de meio-campo era constituído por jogadores com características diferentes dos actuais... Di Maria era um extremo, mas que ajudava imenso a defender e muitas vezes a vir para o interior criar jogo com o Aimar. Este era mais um "10" do que um "8", como é agora o Enzo. Quem fazia as despesas dessa posição, mas também de ala direito era o Ramires. Hoje tens o Salvio à direita que é um médio-ala/extremo puro, não fazendo as tarefas de um "8". Do outro lado, temos um Nico ou um Ola que é outro extremo/médio-ala. E um Enzo a fazer de "8", uma espécie de box-to-box com maiores liberdades ofensivas.

      Pessoalmente, gostava mais do quarteto de 2009-2010, mas o actual também não está mal. Temos é que saber adaptar o resto dos jogadores. Por isso é que penso que Javi no esquema actual daria muito menos que o Matic (este com o Enzo, acabam por conjuntamente fazer aquilo que o Aimar fazia e o que o Ramires ajudava em termos defensivos, em 2009-2010) e, possivelmente que um André Gomes (quando este estiver devidamente rotinado).

      Quanto ao 4-4-2 clássico, será que a dupla entre Lima e Rodrigo não poderia colmatar essas características que escreveste? Para mim, bem trabalhada poderia ser uma do tipo Cole e Yorke...

      Já agora, tenho para mim, que o melhor parceiro para o Cardozo num 4-4-2 (ou num 4-4-1-1) seria o... Miguel Rosa. É que o miúdo é dinâmico, cheio de garra, tem técnica, sabe construir jogo, sabe vir atrás e ligar o meio-campo ao ataque, é robusto fisicamente, embora não seja muito alto, e depois tem uma excelente poder de finalização. Acho que só lhe falta darem-lhe uma oportunidade.

      Gostaria que os próximos 6 meses ele pudesse treinar com o Aimar, para ver se absorvia um pouco da experiência do "el mago".

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    4. "Quanto ao 4-4-2 clássico, será que a dupla entre Lima e Rodrigo não poderia colmatar essas características que escreveste? Para mim, bem trabalhada poderia ser uma do tipo Cole e Yorke..."

      Sim, claro, seria a dupla que utilizaria. Aliás, julgo que o próprio J.J. já se referiu a eles como o duo atacante que melhor se complementa.

      "Já agora, tenho para mim, que o melhor parceiro para o Cardozo num 4-4-2 (ou num 4-4-1-1) seria o... Miguel Rosa."

      Eu optaria pelo Gaitán. Quanto a Rosa, corremos o risco, inexplicavelmente, de nunca o podermos comprovar...

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    5. Boas Anónimo,

      Não sabia que o JJ já tinha dito isso da dupla Rodrigo-Lima... é bom saber!

      O Gaitán também é uma excelente ideia. Contudo, neste momento perderíamos o nosso único extremo esquerdo puro. Todos os outros são destros, o que acabam por ter tendência de ir para dentro. Ora jogando com o Cardozo lá na frente, preferia alguém que tivesse capacidade de ir à linha e cruzar... se bem que, o Nico pudesse sair da sua posição trocando em dinâmica com a do "falso" extremo esquerdo...

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