29 março 2014

A arte de jogar a passo


Numa semana de clássicos na península ibérica, foi possível ver que com a estratégia certa, um jogador até pode jogar a passo e ser considerado um dos melhores do mundo. É sobre isso que irei debroçar-me nas próximas linhas...

Quem no domingo passado ficou agarrado à televisão para ver o "El Classico" da Liga Espanhola, que opôs o Real Madrid com o Barcelona, terá tendência a resumir e a individualizar o jogo catalão ao pequeno genial argentino. Mas, um olhar mais atento verificará que há muito mais sobre o sucesso de Messi que propriamente o seu valor futebolístico intrínseco. É impressionante como o camisola 10 "blaugrana" joga quase os 90 minutos a passo. Sim a passo! Leste bem! O Messi joga a passo!

Como é isso possível?! O Cardozo também joga a passo e mesmo assim não tem o mesmo nível exibicional que o astro argentino!? O que estará por detrás do sucesso de um e de outro?

Primeiro de tudo, são dois jogadores distintos do ponto de vista técnico e físico. Logo aí muitos encontrariam a resposta à questão que coloquei acima e diriam algo como: "o Messi é muito superior tecnicamente ao Cardozo". Até poderei concordar com isso... No entanto, o Messi joga numa posição central onde os choques, as entradas, os carrinhos, os tackles e os contactos são uma constante. Sendo assim, não seria normal esperar-se que um jogador com o corpanzil do paraguaio não seria muito melhor do que a do Messi? Pois é... por isso é que custa-me ler e ouvir esse tipo de argumentação simplista, pois trazem muito pouco para o debate enriquecedor dos factores que fazem a diferença. De facto o que faz toda a diferença é a estratégia e o modelo de jogo devidamente adoptado às características dos jogadores.

Voltando ao "el classico", o Barcelona desenvolveu um modelo de jogo que previlegia também as características do Messi. Para evitar um excessivo desgaste físico do argentino, o Barcelona actualmente evita jogar em transições, tanto defensivas, como ofensivas. A posse de bola é a sua maior arma ofensiva, o seu posicionamento compacto a sua maior arma defensiva. E, se formos a ver bem, uma coisa é indissociável da outra. Ou seja, para manter uma posse de bola elevada, preciso ter as distâncias entre jogadores bem reduzida, para que haja sempre pelo menos uma linha de passe livre a ser utilizada. Ora, tudo isto é facilitado por um meio-campo formado por Busquets, Xavi, Iniesta e Fabregas que são exímios a jogar a dois toques (recepção e passe). A quantidade de passes trocados entre eles, permite ganhar o tempo necessário ao reposicionamento e movimentações dos restantes colegas de equipa, ao mesmo tempo que vão avançando no terreno com calma e com a bola nos pés. Isso permite que Messi possa integrar-se no ataque a passo. Esta conservação de energia e de esforço do argentino é fundamental para que ele consiga ter os índices de tomada de decisão elevadíssimos como só ele tem. É assim que o Barcelona consegue retirar a dimensão física da posição de avançado. Em termos defensivos, o Messi não é propriamente o tipo de avançado como o Luis Suarez, i.e., que literalmente morde os calcanhares dos defesas. Essa função é deixada para os outros avançados do Barcelona... normalmente os extremos, que mais não são que avançados interiores.
 
Olhando agora para o clássico do futebol Português, para a 1ª mão da meia-final da taça de Portugal, entre o Porto e o Benfica, que se realizou na passada 4º feira no estádio do Dragão, verificamos que o atacante encarnado paraguaio, foi muito criticado. Ora por jogar a passo, ora por quase nunca fazer pressão sobre os defesas adversários - estão a ver onde quero chegar com este artigo?!
 
É verdade que jogando com aquele onze encarnado, e olhando para as claras debilidades físicas do Mangalá, teria exigido ao Cardozo para marcar o francês em cima, procurando mais choques e contactos físicos com ele, com o intuito de tirar vantagem através de um duelo directo ou de uma segunda bola. No entanto, penso que para utilizar o Cardozo no onze, a estratégia de jogo teria de ser irremediavelmente outra. Já agora, não foi apenas o Cardozo que falhou nesse encontro. Para mim, falharam ainda mais nas suas funções jogadores como o Sulejmani e o Salvio. Estes foram demasiado individualistas nas suas acções. Tendo consicência do mau momento de forma do Cardozo e do excesso de individualismo de Sulejmani e Salvio, a estratégia mais indicada para o Benfica, não poderia ser aquela que Jesus mostrou no Dragão, mas sim algo semelhante àquela que o Barcelona proporcionou ao Real Madrid. Ou seja, o Tacuara seria uma espécie de "pivot" ofensivo que iria alimentar o "Mickey" e o "Toto" que funcionariam como avançados interiores. Não esperaria arrancadas do Cardozo - aliás, neste momento, nem o próprio Messi está a fazer as suas famosas arrancadas - mas, estararia à espera que o paraguaio conseguisse fazer passes de morte para os outros dois colegas que iriam aproveitar os espaços criados pela movimentação do camisola 7 encarnado. Por outro lado, seriam o Sulejmani e o Salvio os tais responsáveis pela pressão ofensiva, nomeadamente aos laterais e centrais do Porto, levando o Porto a ter que sair a jogar com bola directa para o ataque, onde a defesa do Benfica teria vantagem... Já agora, teria poupado o Rodrigo e como tal teria colocado um terceiro médio que teria a função de um "Fabregas"...

Compreendo que o Jesus tenha adoptado o mesmo tipo de estratégia que tem vindo a utilizar para esta temporada, com uma ou outra nuance a diferenciar de jogo para jogo. Criar novas estratégias requer trabalho de treino... mas, nem sempre! Os momentos de forma e as características dos jogadores por vezes são suficientes para tais mudanças estratégicas. E, quando assim o é, tais mudanças até são fáceis de fazer, pois os jogadores sentirão muito mais à vontade na nova estratégia, desde que esta seja feita tendo em contas as suas características. Aliás, não foi assim que o Benfica na Grécia (apesar de ter perdido), jogou muito melhor e reequilibrou o seu jogo, arrancando para uma época até agora excelente? Não tenho dúvidas nenhumas de que as exibições de Cardozo, de Sulejmani e de Salvio teriam sido bem diferentes das que tiveram... sobretudo o paraguaio.

4 comentários:

  1. Parabéns pela análise!

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    1. Obrigado pelo elogio!

      É engraçado como ao vermos outros futebois, podemos aprender imenso e até farmos a ponte para os problemas da nossa equipa. Realmente, o futebol é o desporto Rei!

      ;)

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  2. António F31/03/14, 17:10

    Para os dois próximos devaneios (posts) sugiro para um a comparação Takuara-Ibraimovik e para a outra (porque não) Takuara-cr7....

    Peço desculpa pela provocação, só para dizer que acho que o problema actual do takuara (e porque não do Benfica) está no antagonismo existente entre o JJ e o Oscar e vice versa

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    1. António F,

      Sugiro-lhe a leitura mais atenta ao artigo... ;)

      Quanto ao antagonismo entre o JJ e o Cardozo, se assim o fosse então desde Outubro até Dezembro o Tacuara nunca teria calçado...

      Para mim é simples: o Benfica actual está demasiado "formatado" para um estilo de jogo que beneficia a dupla Rodrigo e Lima. Não é à toa que o Jesus ontem frente ao Braga tenha preferido quase sempre dar a iniciativa de jogo aos minhotos, em vez de assumir ele o jogo. Por isso é que se fores a ver bem, a jogada do golo do Lima resultou de uma transição rápida para a desmarcação do Rodrigo e este passar ao luso-brasileiro.

      Como a equipa está a responder bem e como o Jesus tem pouco ou nenhum tempo para treinar - como ele diz "é jogar, recuperar e voltar a jogar" - então a solução Cardozo nunca é devidamente bem trabalhada.

      Mas, se formos a ver bem, não é apenas o Cardozo... também é o Djuricic e uns quantos que mereciam maior atenção.

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