02 novembro 2013

O que falta ainda ao Benfica?


Ontem verifiquei que o problema da dinâmica de jogo do Benfica resume-se a um: a dinâmica dos nossos avançados. Mais concretamente com a dinâmica dos dois avançados centros. Têm dúvidas? Então leiam as próximas linhas...

O problema...
Sei que fiquei de fazer uma análise aos primeiros jogos do Benfica esta temporada. Análise essa que tenciono apresentar quando houver a próxima pausa para o "play off" do "clube de Portugal". Contudo, o jogo desta sexta-feira quase que obrigou-me fazer este artigo, tal é a influência da dinâmica da nossa dupla atacante perante todos os momentos do jogo.

Esta jogada dá para perceber os prós e contras do Cardozo jogar avançado e o Lima
recuado. Se por um lado o paraguaio fixa os centrais permitindo as entradas explosivas
do brasileiro, por outro lado, tais movimentos provocam um desgaste elevado no
camisola 11 (veja-se a força com que ele remata). Isto para não falar se o defesa consegue
antecipar a Cardozo... reparem na clareira que fica no meio-campo, atrás do Lima.

Sobre este tema já tive oportunidade de escrever no artigo 'Jogar à "mama"'. Passado estes meses todos, deparo-me com algumas melhorias... mas, regra geral os problemas persistem. Há inclusive uma persistência na atribuição de funções a cada um dos jogadores que fazem a parelha do centro de ataque encarnado. Ou seja, o paraguaio é o homem que fica mais à frente a prender os centrais, enquanto que o brasileiro é o senhor que desce entre-linhas para combinar com o meio-campo. Mas, o que é que isto interfere com o futebol encarnado? Basicamente... em tudo!


... no 4-4-2...
Olhando para a atribuição de funções, aparentemente não vemos nada de mal... isto se olharmos através dos manuais de futebol dos anos 80. Os 4-4-2 nessa altura eram formados por 4 meio-campistas em linha e dois avançados, com o mais móvel a descer e a desmarcar-se em diagonais, enquanto o ponta-de-lança, o também chamado "poacher", fixava e lutava com os centrais adversários. Acontece que nessa altura, os alas, eram mais médios-ala do que extremos, pelo que acabavam muitas vezes por serem um terceiro, e/ou quarto, homem no meio-campo. Hoje em dia, fruto dos sistemas base da formação dos clubes, baseados em 4-3-3 (ou na variante de 4-2-3-1), os médios-ala são basicamente extremos/segundos avançados. É por isso que na dinâmica do futebol encarnado, o tal 4-4-2 é muitas vezes visto como um 4-2-4, tal é a subida dos nossos "alas". É também por isso que, jogo após jogo, vemos o Jorge Jesus a berrar e a gesticular para com os seus extremos. Na verdade, ele está a adaptar extremos a médios-ala, sem deixar com que eles percam a vocação ofensiva. Mas, se os nossos extremos têm essa vocação e dinâmica ofensiva, i.e., de atacar o espaço nas costas da defesa procurando situações de finalização, como fica o equilíbrio do meio-campo? Deixamos entregue a apenas dois jogadores? Claro que não!

É aqui que entra o "recuo dos avançados". Actualmente, no futebol de alto nível, o ponta-de-lança deve recuar. Veja-se os recentes exemplos de Messi, e até mesmo de Benzema. É o surgimento da posição "9.5". É ele que muitas vezes ajuda na construção de jogo. A ideia até não é nada nova, se recordarmos de um tal de Hidegkuti... Já agora, uma nota: essa função ocorre mesmo em esquemas com apenas um avançado (4-3-3, por exemplo). Sendo assim, em sistemas com dois avançados, maior é a necessidade de pelo menos um deles recuar para ajudar na construção (o ideal até é os dois recuarem, tal a forma como as defesas hoje em dia estão organizadas). O primeiro problema é que no Benfica essa função fica entregue a Lima. Tecnicamente o brasileiro tem os requisitos necessários, mas na prática ele não consegue ter o melhor descernimento na tomada de decisão e parece estar sempre alheado das jogadas. Talvez o problema esteja na exigência que o modelo tem sobre o atleta. Reparem que o Lima tem de ser o primeiro homem a recuar para a fase de construção e tem de ser o jogador que procura as diagonais nas costas dos defesas adversários. É um desgaste físico enorme que depois tem reflexos na tomada de decisão do brasileiro. Então porque não ser o Cardozo a descer entre-linhas?

O motivo de insistir tanto no recuo do paraguaio na fase de construção. Reparem como
até os próprios centrais adversários ficam confusos sobre como marcar. E reparem na
criação momentânea de vantagem numérica no meio-campo/entre-linhas, o 2x1.

Noutra perspectiva, jogando o Benfica sobretudo em transições ofensivas, não seria o mais indicado ter o Lima a explorar as costas da defesa adversária com a sua velocidade, poder de desmarcação e finalização? Mais até do que Cardozo? Por exemplo, olhando um pouco para o jogo frente ao Olympiacos e à forma como os gregos defendem, muito subidos no terreno, como pode ser visto aqui, não seria benéfico ficar o Cardozo mais atrás, com o Lima a procurar o espaço entre a defesa e o guarda-redes grego?

Por outro lado, jogando o Benfica em transições ofensivas, não seria benéfico para a equipa encarnada recuperar a bola o mais rapidamente e o mais à frente possível? Para isso, não seria conveniente ter jogadores com outra capacidade de pressão sobre os defesas que Cardozo não possui? Por exemplo, não seria mais indicado o Lima mais um ou dois dos "extremos" (coloco aspas, porque como vimos acima, a maioria dos nossos extremos têm rotinas de avançados) fazerem a pressão alta sobre os defesas adversários, tal como o Dortmund faz com o seu "gegenpressing" (tema que pretendo falar futuramente)? Uma nota importante que reparei nestes últimos encontros em que o Ivan Cavaleiro jogou em deterimento do Ola John: com o português, a capacidade de pressão sobre o lateral adversário foi muito melhor e mais intensa que com o holandês, melhorando a nossa transição defensiva.

Voltando à fase de construção, outro dos fenómenos erráticos da equipa encarnada é a forma como muitas vezes os nossos dois médio-centro (Enzo e Matic) transportam exageradamente a bola nos pés. Ao ver equipas como o Barcelona, Bayern e Arsenal verificamos que os seus meio-campistas basicamente jogam a dois toques - recepção e passe. Jogam-no porque o meio-campo acaba por ter muitas soluções de passe: têm sempre 3 ou 4 colegas de equipa próximos a quem passar. Na equipa encarnada, tal não acontece. Os "extremos" têm tendência para abrir e fugir para o espaço, os laterais abrem também. O Cardozo fica na "mama", i.e., a prender os centrais e quem tenta descer no terreno, mas já desgastado de tanto fugir a desmarcações, é o Lima. Isso provoca o tal transporte demoroso por parte da dupla de meio-campo. Se quem descer for o Cardozo, que raramente se desmarca em diagonal ou explorar o espaço atrás das costas da defesa, faz com que Lima fique mais solto e fresco para essas missões, conforme já tinha apontado acima. Com isso, mais a articulação bem sucedida de Nico Gaitán muitas vezes procurar as zonas centrais, ficaria resolvida esse problema do transporte de bola e constução de jogo, evitando situações como a perda de bola de Matic frente ao Olympiacos.

O lance do 2º golo dos encarnados, ontem à noite, espelha bem a vantagem dos dois
avançados jogarem recuados. Reparem que foi a ausência de marcação dos centrais da
Briosa, na fase inicial da jogada, mas também o ataque da zona de finalização do Tacuara
que originaram o autogolo. Aliás, não sei se não terá havido falta sobre o
"sandwichado" paraguaio...

Já agora, quantas vezes vemos o Benfica perder a transição ofensiva quando o médio, ou lateral, ou ala mete a bola num desgastado Lima? Por outras palavras, quantas vezes vemos o Benfica a entrar em transição defensiva, porque a bola não conseguiu entrar no tal avançado que deve estar entre-linhas? É culpa do adversário que soube defender, ou é culpa de estarmos a exigir algo de muito complicado a um atleta, que é de estar constantemente entre duas funções? Eu penso que é um misto das duas, mas mesmo pensando que o adversário defende melhor, a opção de recuar Cardozo em vez de Lima faz também mais sentido. Poderão dizer-me que essa alteração perde em velocidade. Na minha óptica até não se perde, pois se há posição em que os jogadores não são muito velozes é no meio-campo, mais concretamente na função de médio-defensivo. Depois, o paraguaio tem logo maior vantagem sobre a maioria dos médios-defensivos nacionais e internacionais: tem maior robustez física que a sua maioria. O perfil físico do médio defensivo tradicional encontra-se na altura de 1.80m e 75kg. Cardozo leva logo aí vantagem física. Por exemplo, as bolas aéreas para essa zona de terreno tenderão a ser ganhas pelo Cardozo. Mesmo que o central venha lá de trás, o mais plausível é chegar tarde e fazer falta sobre o paraguaio. Por outro lado, tendo maior envergadura que os seus adversários e habituado a jogar de costas para a baliza contra centrais mais corpulentos, a protecção e o rodar com a bola será muito mais facilitado para o "Tacuara". Nota importante: não estou a exigir que ele tenha de fazer arrancadas, mas tabelas com os médios e o outro avançado ou extremo, aberturas para os laterais e extremos, isso já ele poderá fazer e melhor do que ninguém.

Actualmente, cerca de 90% das vezes quem recua é o Lima, mas olhando para o jogo de ontem, verificamos que é nos 10% em que é o Cardozo que recua que o sal do futebol salpica no jogo. Não está na altura de mudar definitivamente esse comportamento? É que face ao que escrevi, acredito que se invertêssemos essa percentagem, ou se pelo menos igualássemos as vezes que um e outro recua, a dinâmica da equipa seria muito melhor.


... no 4-2-3-1 (ou 4-3-3)
No 4-2-3-1 que o Jesus utilizou nos últimos minutos de jogo, ontem frente à Briosa, faz todo o sentido que Cardozo, recue no terreno, até porque a equipa recuou toda. A jogada do golo do Markovic define bem as vantagens do recuo do paraguaio: criação de espaço nas costas da defesa, o qual poderá ser aproveitado por jogadores rápidos velozes e incisivos, como o sérvio Markovic.

Mais uma amostra da vantagem do recuo do Cardozo em campo. Desta feita na criação do
espaço para "Marko" poder atacar. Grande assistência de Rúben Amorim.

Mas, como jogar quando joga o Djuricic? O sérvio é um número "10", ou um "9.5" como o Jesus diz. Contudo, é um jogador cerebral. Precisa de ter a bola nos pés, pois gosta de correr com ela. Daí que prefira o passe para o pé, do que propriamente para o espaço. Aliás, jogando com outro avançado, tende sempre a desmarcar-se pouco, fazendo poucas diagonais, um pouco à semelhança do "Tacuara", nesse ponto específico. Jogando atrás de um avançado com características como o Lima e Rodrigo, sente-se relativamente à vontade, pois esses jogadores criam as linhas de passe com as movimentações que produzem. Jogando com um avançado como o Cardozo, a equipa já não poderá jogar em transições rápidas. Tal provocaria um desgaste enorme nesse duo, podendo partir o jogo. A equipa terá que optar por uma estratégia mais paciente de controlo de jogo, trocando a bola de um lado para o outro, até encontrar um espaço onde possa meter a bola para a entrada de um dos extremos ou laterais. Mesmo nesse esquema e com o Djuricic em campo, o ideal é que Cardozo recue também no terreno, fazendo como o Messi faz. Nesta imagem, a missão de Djuricic seria comparável à de Iniesta no Barcelona (variante 4-3-3). Da mesma forma, esta dupla poderá também ter uma dinâmica como a do Arsenal (variante 4-2-3-1). Aqui o Cardozo procurará reproduzir as funções de Giroud (descendo para disputar duelos e caindo um pouco nas alas, mas sem nunca dar-lhe muita profundidade) e o Djuricic procurará ser o Özil da Luz (procurando a bola na segunda fase de construção e caindo nas alas quando necessário, por troca com um dos extremos, por exemplo, com o Nico Gaitán, que seria uma espécie de Rosicky nesse modelo). Já agora, penso que ontem teria sido o jogo ideal para o sérvio entrar em campo, apesar da excelente entrada do Rúben Amorim. Não será frente a adversários da Liga dos Campeões que vamos exigir grandes performances de um Djuricic sem ritmo, não é verdade?


Onde deverá jogar o Markovic?
Com a recuperação física do sérvio, com o golaço ontem à noite, mas também com um Ivan Cavaleiro em crescendo e a aproveitar bem as oportunidades que tem tido e com um Lima em sub-rendimento, face ao que foi exposto acima, a pergunta sobre em que posição deverá jogar o "Marko" faz todo o sentido. Na minha opinião, no tradicional 4-4-2 do Benfica, vejo-o ou a fazer a posição do Ivan Cavaleiro, desgastando-se tal como o português, ou na posição do Lima, com o Cardozo a desempenhar as funções que escrevi acima, ou seja, com liberdade no ataque, ficando o Cardozo preferencialmente mais recuado. Já no 4-2-3-1, vejo-o a jogar nas alas, tal como o Gaitán, ou até mesmo como falso "9", tal como o Messi no Barcelona...

Em que posição irá jogar Markovic? Ou será que Jesus o vai utilizar
como arma secreta?

4 comentários:

  1. Benfiquista de Gaia03/11/13, 22:21

    Olá.

    Boa análise, tanto na situação do Cardozo, como do Lima, Markovic e Djuricic, são exactamente as alterações que têm que ser feitas para termos mais consistência,ganhos de segundas bolas e posse de bola mais constante até.
    Fora que ainda, e quando em forma, até ao retorno do Salvio (o nosso "extremo" mais avançado, pois é o que tem mais acerto na finalização, sendo também a sua posição de origem na Argentina) temos o Sulejmani, que é o substituo óbvio do Gaitán, com boa capacidade para flectir para dentro, e índice de finalização.
    Relativamente ao Cardozo, as movitações que sugeres também lhe permitiriam ter mais oportunidades de ter ais remates à entrada da área sem oposição, pois viria sempre um pouco mais atrás do outro avançado(Lima, Markovic, Rodrigo) e até de um, ou ambos os "extremos", fazendo com que ficasse no espaço entre os centrais e médio defensivo, mas já de frente e com as linhas adversárias a recuar.

    Avante pelo Benfica!



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    1. E lamento os erros ortográficos, foi tudo muito à pressa!

      Espero que o Jorge Jesus leia o teu artigo!

      Avante pelo Benfica!

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    2. «as movitações que sugeres também lhe permitiriam ter mais oportunidades de ter ais remates à entrada da área sem oposição, pois viria sempre um pouco mais atrás do outro avançado(Lima, Markovic, Rodrigo) e até de um, ou ambos os "extremos", fazendo com que ficasse no espaço entre os centrais e médio defensivo, mas já de frente e com as linhas adversárias a recuar», exactamente Benfiquista de Gaia. ;)

      A minha dúvida é se o Jesus já não pede um pouco isso aos seus jogadores, mas estes não conseguem reproduzir... contudo, o posicionamento mais recuado do Lima relativamente ao Tacuara é por demais evidente.

      Gostava que ele trocasse essas funções uns quantos jogos, para ver como as coisas funcionariam. Ou então que explicasse os contras do raciocínio que escrevi no artigo.

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    3. Benfiquista de Gaia04/11/13, 14:35

      Não creio que o Jesus peça isso ao Cardozo, que pode às vezes passar-se da cabeça com árbitros, mas é muito inteligente dentro da sua posição.
      O que creio que o Jesus faz, e é comprovado por este jogo em Coimbra, é que para tentar confundir os adversários, que por vezes seja o Cardozo a descer entre linhas, em vez do Lima, e que por vezes o façam os dois ao mesmo tempo, de forma a "afundar " o centro do terreno adversário e "cavar" espaços para as entradas dos "extremos".

      Avante pelo Benfica!

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