07 maio 2016

Master class(e)...


... a todos os níveis, por Rui Vitória.

O adepto comum continua a desprezar as autênticas aulas de metodologia de treino e de comunicação que Rui Vitória tem vindo a dar ao longo desta temporada. Talvez porque estão habituados ao rame-rame do costume do futebol português. Estão habituados aos lugares comuns do "joga o melhor onze", do "o campeonato é a competição mais importante", do "estamos a jogar 3 jogos por semana", do "cansaço", "dos árbitros", do "relvado", da "bola",... enfim, é só escolherem. Depois, também estão habituados ao estilo que tem servido de capa de sucesso no futebol nacional dos últimos anos, como acontece com o Jorge Jesus. Mas, isso por si só, significa que um treinador com outra postura, outras ideias e metodologias, é logo um não-treinador?

A tacanhez portuguesa associada a uma quase espécie religiosidade/crença no exemplo de sucesso dos últimos anos diz que sim. Ou seja, no caso do Rui Vitória, toda esta mentalidade leva a supor que realmente ele é um não-treinador. Por isso, mesmo as críticas que assistimos desde o início da temporada. Então e quando esse não-treinador tem tido sucesso? O que sucede? Essa tal crença resiste um pouco e diz que isso é obra da sorte, ou de outra qualquer desculpa de circunstância e de lugar comum. Ou então - preparem-se que vem aí bomba - que o sucesso do não-treinador é obra do efeito do tal treinador-exemplo-de-sucesso que faz com que os jogadores da equipa unem-se ainda mais junto do não-treinador... como ouvi noutro dia num programa de televisão. O que fartei-me de rir com isso!?

Deixemos-nos destes lugares comuns e façamos a análise correcta. Se o Rui Vitória fosse realmente um incompetente, jamais conseguiria liderar a equipa encarnada. Aliás, só mesmo um líder nato conseguiria juntar os jogadores para o que sobrava da temporada, quando em Novembro toda a gente, incluindo muitos Benfiquistas, diziam que já estávamos fora da corrida do campeonato. É engraçado verificar que o "chefe" como muitos apelidam do Jesus, em situações de desânimo nunca conseguiu reerguer a equipa para o que faltava. Talvez seja a grande diferença entre um líder e um chefe que faz toda a diferença. Em Portugal estamos muito habituados a chefes, talvez ainda são os resquícios das décadas de domínio do antigo regime. Por isso, somos um povo de brandos costumes, aka bem-mandados... Mas, o problema é que os maiores desafios são ultrapassados com liderança e não apenas com chefia.

Mas, não é apenas no campo da liderança que Rui Vitória marca pontos. Também no campo técnico-táctico a equipa está muito melhor. Enquanto um treina uma equipa para um sistema, exigindo jogadores com características específicas para cada posição, já outro treina princípios num contexto de um modelo e obedecendo às características dos seus atletas. Isto é bem patenteado em vários momentos desta temporada. Por exemplo, quando o Rui Vitória mete o Samaris a jogar a central em São Petersburgo, ele tem confiança no grego porque sabe que este apreendeu os princípios básicos e as adaptações necessárias para desempenhar as funções naquela posição. Não vemos o Rui Vitória a gritar com os jogadores do banco feito um louco com um comando de playstation a controlar todos os movimentos dos jogadores, como acontecia com Jorge Jesus. Isto é sintoma de que os jogadores verdadeiramente não entendem o que realmente têm de fazer durante o jogo e revela que a qualidade de treino não é assim tão avassaladora como fazem querer. Outro bom exemplo, é ver como a linha defensiva do Benfica na pré-época não funcionava e agora funciona. Agora funciona pelos motivos óbvios: os jogadores já adquiriram os princípios. Agora, a questão que muitos não colocaram era de saber porque raio é que na época passada eles faziam as coisas e na pré-época parecia que tinham desaprendido. A melhor resposta é que eles na verdade nunca aprenderam. Apenas faziam o que lhes mandavam... por isso o outro está sempre a berrar! Mais uma vez, líder/chefe...

Por fim, o que dizer da classe com que o Rui Vitória tem estado sempre nas conferências de imprensa. Mesmo naquelas em que após ser ofendido na praça pública e os abutres do costume virem farejar uma resposta polémica, ele responde sempre com elevação e muita personalidade, demarcando-se da baixeza dos outros. Aliás, está sempre a puxar para cima o valor dos adversários e da competição, que muitas vezes nem sequer merecem (não é Paulo Fonseca?). Do outro lado, só conseguimos ouvir um discurso pouco articulado e coerente, cheio de banalidades como aquelas que referi acima e muito ruído. Um bom exemplo disso é o Jesus falar à boca cheia que ganhou 5 de 6 clássicos, mas deixar de fora o único que lhe retirou a liderança no campeonato, precisamente para o Benfica de Rui Vitória. E, ainda vai mais longe dizendo que treina a equipa que mais merece ser campeão esta temporada... pois está claro, despreza-se a perda da liderança em casa com o rival, pois não interessa mencionar isso. Ah! E, já nem falo na diferença de números entre ambas as equipas. Deixo aqui a última conferência de imprensa no final do jogo frente ao Sporting de Braga. Engraçado verificar a piada que Rui Vitória cria de forma natural e de certa forma inocente. Vejam lá se conseguem a identifica?

8 comentários:

  1. Muito boa análise. A mim interessam-me bastante os aspectos relacionados com a liderança e as diferenças entre Rui Vitória e o "cérebro" são gigantescas, algumas das quais bem identificadas no texto.

    Parece-me claro que Rui Vitória tem potencial para crescer nos aspectos tácticos, mas é evidente que algumas opiniões sobre menor competência táctica são superficiais. Convenientemente, esquecem-se de exibições como a de Madrid, por exemplo, ou as duas com o Bayern, onde o Benfica foi de um rigor táctico impressionante, limitando bastante o potencial ofensivo do Bayern.

    Estamos bem servidos. Creio que o Benfica, no médio prazo, fica melhor servido, não apenas em termos de competências técnicas, mas também em termos de uma postura e um comportamento à altura da história e dos valores do Benfica.

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    1. Tacticamente não considero o Jesus muito bom. No que ele é realmente bom é nomeadamente nos exercícios de treino que ele faz. São esses que permitem aos jogadores terem comportamentos minimamente correctos mais rapidamente. No entanto, são exercícios muito mecanizados que fazem com que os jogadores não aprendem realmente o porquê das movimentações.

      Escusado será dizer que esta metodologia de treino é concebida após várias décadas de experiência profissional. Aliás, o Jesus tem mais experiência profissional que pelo menos os 3 primeiros treinadores dos clubes que seguem no topo da tabela (sem contar com ele como é óbvio). Isto faz diferença nesse aspecto, pois o treino é algo empírico. Nem todo o tipo de exercício é assimilado da mesma forma por todos os atletas.

      Agora, parece-me claro como a água, que o Rui Vitória apostando no seu jogo de princípios e não tanto de sistema, é o que tem-lhe permitido reinventar-se constantemente esta temporada.

      A mudança táctica que ele faz na segunda-parte frente ao Braga é disso um belíssimo exemplo. Entrada de Talisca para o corredor central e de Gonçalo Guedes para o lado esquerdo, posicionando o Carcela no lado direito, com uma dinâmica diferente da inicial, mas seguindo os mesmos princípios basilares de jogo, foram completamente fundamentais para a "remontada" no marcador. E, isto é algo que vejo muita pouca gente a elogiar, infelizmente.

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  2. Só mais um aspecto. Concordo plenamente no exagero da análise dos habituais opinadores, em termos de ter sido o "cérebro" o responsável pela reviravolta no desempenho do Benfica. É uma análise demasiado estúpida para poder ter crédito e esquece que surgiram mudanças na forma de jogador do Benfica (Renato e Pizzi), que tiveram, essas sim, um impacto decisivo.

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    1. E, sem sentido. Se o Benfica tivesse continuado a perder, diriam que os jogadores "ficaram" com o antigo treinador do Benfica e não com o Rui, que seria visto como um mero fantoche.

      Eu já nem vou falar das alterações que o Vitória fez no Benfica em termos de jogadores. Vou sim, apenas reforçar o seguinte: jamais um tipo como o Rui conseguiria algo deste grupo de trabalho se não os conseguisse dominá-los no lado emocional.

      É óbvio que nem tudo deve ter sido cor-de-rosa, mas penso que não só a confiança da direcção como a confiança nas suas capacidades e de liderança foram determinantes para o Benfica estar a fazer um campeonato completamente imaculado desde então (a única derrota na 2ª metade da liga foi com o Porto num jogo de sentido único para nós... e ainda falam que o Benfica tem sorte).

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  3. "Não respondo, passo à frente.".

    Ehehe grande Mister!

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  4. Acho que foi
    "O treinador só tem que fazer assim(estalar de dedos), que eles vão lá para dentro e sabem o que têm de fazer.

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    1. Não foi essa... mas essa também é muito bom sim senhor! ;D

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