Meio-campo auto'Matic'o

«Matic vai fazer com que me esqueçam»
por Javi Garcia em 1 de Setembro de 2012

E não é que o espanhol tinha mesmo razão?!

O simbólico passar de testemunho de Javi para o Matic.

«O Matic é um grandíssimo jogador e uma pessoa magnífica, com um coração enorme. É um grande jogador e desejo que lhe deem oportunidades, porque vai fazer com que me esqueçam.» foi com estas palavras que Javi Garcia se despedia antes de ir para o Manchester City.

A verdade é que o espanhol tinha razão. Matic, que chegara à Luz na época passada, passou essa temporada praticamente na sombra do ex-camisola 6. Jogando aqui e ali, lá foi cometendo os seus erros. Erros esses de quem se está a adaptar às funções que tem de desempenhar numa equipa que joga como um grande. E, após esse período de adaptação, já no final da temporada passada, dava sinais claros de que Jesus poderia contar com ele. Basta recordarmos da excelente exibição frente ao Chelsea, em Stamford Bridge, equipa inglesa que viria a ser a campeã europeia.


Jogar numa equipa modesta é diferente de jogar numa equipa grande

Um "6" de equipa grande não pode apenas destruir jogo,
precisa igualmente construir e sair a jogar.

É preciso entender que os médios de uma equipa mais modesta jogam de forma diferente àquela que o Benfica joga. Aliás, neste momento, devem-se contar pelos dedos de uma mão as equipas de topo que jogam num claro 4-4-2. Assim de repente, só me recordo de duas... e ambas são de Manchester!

O sérvio veio envolto no negócio de David Luiz que tinha sido consumado 6 meses antes da sua chegada à Luz, pois na altura estava ainda emprestado ao Vitesse, equipa que milita na liga holandesa. Nessa equipa jogava como um "8"/"10", mas quando chega a Lisboa, as suas funções passaram a ser outras... e daí talvez não! A bem da verdade, penso que tendo em conta toda as suas características físicas, técnicas e tácticas, jogar numa posição mais recuada acaba por ir mais ao encontro do seu real potencial e estilo de jogo. Por outro lado, não acho que a diferença seja assim tanta a nível posicional. Uma equipa mais pequena adopta normalmente uma estratégia mais defensiva em campo, tendo as suas linhas recuadas no rectângulo de jogo. Ora, numa equipa que luta para ser campeã nacional, tal já não acontece, pois a equipa tenta jogar quase sempre no meio-campo adversário. Assim sendo, o espaço de um "10" de equipa mais pequena é o mesmo que ocupa um "6" de equipa grande.

Noutra perspectiva, enquanto numa equipa do meio da tabela precisa de ter um jogador que fundamentalmente destrua jogo, mandando a bola para as "coves" na maioria das vezes, já numa equipa que luta pelo título, precisa que o seu médio mais defensivo, não só saiba destruir o jogo ofensivo do adversário, mas que sobretudo, saiba sair a construir. Já agora, um pequeno parêntesis, este facto é extensível também à posição dos centrais, daí que cada vez mais vemos treinadores de equipas de topo a recrutarem médios mais defensivos para o centro da defesa, pois querem qualidade na saída de jogo da defesa.


Matic um jogador ímpar

Yaya Toure e Patrick Vieira, tal como Matic, dois médios
muito completos, que aliam a potência física à capacidade
técnica e cultura táctica.

Pelo facto de reunir todas as características necessárias para um meio-campista completo, Matic é um jogador ímpar. O "perna-longa" tem o porte físico e pulmão para aguentar o ritmo de jogo elevado, durante todo o encontro. Depois, tem uma cultura táctica que lhe permite estar no sítio certo e onde tudo se desenrola. E, a juntar a isto tudo, trata a bola por "tu" a nível técnico, não sendo apenas um jogador de passe, mas também de posse e condução de bola.

São raros os jogadores que conseguem juntar todas estas características num só. Assim de repente, no futebol actual, talvez o Yaya Touré do Manchester City possa ser equiparado. Na década passada, recordo-me de Patrick Vieira e do quanto este médio foi importante para que o Arsenal tivesse hegemonia no futebol inglês. Durante essa década, foi o perfil certo do médio-centro que as equipas procuravam.


Automatismos no meio-campo

David Luiz e Javi Garcia funcionavam como dupla, assim
como funciona o Matic e Enzo (ou Martins, ou Gomes).

No entanto, porque estes jogadores são uma raridade no futebol mundial, também são raras as equipas que adaptam esse estilo de jogo, tendo que adaptarem-se aos médios que têm às suas disposições. Por exemplo, o Arsenal abandonou o meio-campo com apenas dois médios e adoptou o tridente de meio-campo, com a saída de Alex Song. Mas, o Benfica já jogava com dois médios-centro antes de chegar o camisola 21. Como se explica este facto?

A resposta a esta questão reside num nome: David Luiz. Se o Matic é o protótipo do médio-centro de excelência e que todo o técnico de futebol sonha, também não é menos verdade que o David Luiz, é o protótipo do central de equipa grande. O brasileiro era na prática muito mais do que um central. Era sim, um construtor de jogo. Não eram raras as vezes que o brasileiro começava as jogadas de ataque encarnado, ora com passes longos, ora quebrando em drible as primeiras linhas de pressão adversária. Nesse contexto, precisava de à sua frente um médio-defensivo que fundamentalmente soubesse fazer a compensação posicional. Função essa que estava a cargo do espanhol Javi Garcia. Não é de estranhar que após a saída do brasileiro para o Chelsea a nossa qualidade de jogo baixou e até a nossa forma de jogar alterou-se.

Agora, não há necessidade de ter um médio tão defensivo em campo, pois deixámos de ter centrais que subissem tanto no terreno com a bola controlada, como fazia o David Luiz. Por outro lado, com alas a jogarem cada vez mais abertos e não tanto como interiores, como faziam o Ramires e Rúben Amorim, é necessário ter médios-centro mais completos. Por estes motivos, a opção recai que nem uma luva sobre o Matic. Com o sérvio, o nosso meio-campo começou a ter automatismos mais ofensivos. De facto, o camisola 21 parece um "autómato" naquele meio-campo, sempre a limpar as jogadas ofensivas adversárias e a entregar redondinha aos seus colegas de equipa. Um verdeiro "pulmão" e "carregador de piano" da equipa encarnada.


Um futuro risonho

Conseguir anular o Messi não está ao alcance de todos.

No final do encontro frente ao Marítimo, no passada sábado, o técnico encarnado teceu o seguinte elogio quando confrontado com a exibição do sérvio: «O Matic não fez os três golos, mas esteve impressionante, transforma tudo o que seja defensivo e ofensivo como uma qualidade muito boa. É um jogador que se está a afirmar muito no Benfica e vai ter um futuro muito feliz.» Olhando para as exibições que na época passada já anteviam todo este sucesso, como aquela frente ao Chelsea, mas também às exibições que tem realizado esta temporada frente a equipas como o Barcelona, na qual foi determinante para que o Messi não tenha feito das suas para com a equipa encarnada, penso que é consensual que toda a gente antevê que o futuro de Matic será muito risonho.

Desde já fico contente que o Benfica queira renovar com o sérvio. Faz todo o sentido, mais não seja para aumentar-lhe a cláusula de rescisão (actualmente esta cifra-se em "apenas" 20 M€) e assim tentar segurá-lo por mais uma ou duas temporadas de águia ao peito. Não acredito que permaneça muito mais tempo em Portugal, até porque como já fui dando indicações existem muitos clubes sedentos por um meio-campista tão completo como ele, tais como: Manchester City (falta um substituto para o Yaya), Manchester United (com Carrick, Scholes e agora o Giggs, precisam de gente jovem no meio-campo), Arsenal (sem Alex Song, tem sido o Arteta um "10" a fazer as despezas mais defensivas da equipa?!), Chelsea (nem Mikel, nem Oriol têm o que o Matic poderia oferecer-lhes e com Lampard a arrumar as botas, bem que lhes faltam alguém como o sérvio), Barcelona (daria uma dimensão física àquela equipa que... nem quero imaginar...), Real Madrid (acho que o meio-campo do Mourinho iria ganhar imenso e o Alonso ficaria feliz da vida por tê-lo ao seu lado), Milan (se o gigante de Milão quer regressar ao topo em Itália, o gigante Matic seria excelente naquele meio-campo), entre outros. Clubes esses com capital para pagar a respectiva cláusula. Por outro lado, se é certo que revogou a sua selecção nacional, penso que o diferendo que possa ter com alguém lá dentro irá ser ultrapassado, pois não acredito que a Sérvia possa deixar de fora um jogador como o Matic, por muito mais tempo.

Em termos desportivos, penso que irá ganhar muitos títulos, pois é um jogador de topo. Agora, acho que ele poderá evoluir ainda mais em termos tácticos. Actualmente, no Benfica é o médio em melhor forma e talvez o mais completo em conjunto com o argentino Enzo Pérez (que também tem estado em excelente plano esta temporada). Contudo, os últimos minutos de jogo frente ao Barcelona em Camp Nou fez-me ver algo que à muito falava e que gostaria de ver acontecer mais vezes: Matic como um falso central. Aliás, estou convicto que numa equipa que jogasse em 3-4-3, este rapaz seria o verdadeiro elo de ligação e marcaria um estilo de jogo muito próprio. E, já agora, gostaria de vê-lo a jogar com David Luiz... de preferência na Luz!

Acima de tudo, que possamos contar com o Matic por muitos anos.