15 agosto 2018

Atenção às percepções!


... o que é real do ilusório e contextualizar.


É importante ter muita atenção às percepções erradas que são criadas ao vermos futebol. É dessa forma que se criam ideias, opiniões e mitos errados sobre certos jogadores e sobre certas equipas. Este jogo frente ao Fenerbahçe é disso um belo exemplo. Porquê? Acima de tudo pelos três grandes factores que de seguida elaborarei. Mas, também pela exibição do Benfica em Istambul. O resultado foi soberbo, pois conseguimos atingir os nossos objectivos, mas tal como o Pizzi falou na flash interview, «ainda há muito para melhorar». Estou convicto de que com um pouco mais de coragem teríamos saído com a primeira vitória naquela cidade turca. antes disso, vejam o resumo do empate que ditou o apuramento do Glorioso para o play-off de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões da temporada 2018-2019.



O primeiro tem a ver com o nosso "super-craque", made in Seixal, o Gedson Fernandes. É verdade que o jovem camisola 83 fez um bom jogo tendo em conta os seus 19 aninhos. Mas, atenção ao hype ilusório que é rapidamente criado pelo golo que marcou. A partir desse momento, o Gedson pôde perder mais de 50% dos dribles que efectuou (3 dribles com sucesso em 7 tentativas), pôde perder 50% dos duelos que disputou e efectuar apenas um passe-chave em pelo menos 3 oportunidades para o fazer (3 transições rápidas na 2ª parte da partida com má tomada de decisão do miúdo).


Tudo isto seriam pontos negativos se estivéssemos a fazer uma avaliação de um jogador já maduro e de elite. Percebo que ele é ainda um miúdo e como tal, devemos acarinhá-lo. Mas, acarinhá-lo neste momento é elogiá-lo pela exibição, mas referir este "mas". No fundo é elevar a exigência. É que, reparem, tivesse ele ganhado mais bolas a meio-campo, mais controlo teríamos sobre o jogo e menos bola teriam os turcos. Por outro lado, melhorando o sucesso do seu drible, mais perigo teríamos causado à equipa de Cocu. E, se tivesse tomado a melhor decisão naqueles momentos chave, teríamos neste momento a comemorar mais uma vitória encarnada e, a primeira, em Istambul. Por outras palavras, se vamos elogiá-lo como jogador de Champions, precisamos de avaliá-lo como tal, com o mesmo nível de exigência. Porque, tenho a plena certeza que quando tivermos insucesso, ele será um dos primeiros a serem visados. E, aí vão ser como abutres sobre as prezas.


O segundo, tem a ver com quem atribuímos a culpa nos golos sofridos pela nossa equipa. No lance do golo do Apel Potuk, quem é que tem a culpa? Deixo-vos 3 opções de resposta e depois recordo-vos o vídeo do lance que originou o golo do avançado turco, que empatou o encontro em Istambul:
a) André Almeida, que saiu atrasado à pressão sobre o Kaldirim, o lateral esquerdo turco, que cruza para a nossa grande área?
b) Alex Grimado, que não soube antecipar, ou bloquear, ou ainda dificultar o cabeceamento do adversário?
c) Odysseas Vlachodimos, por ter apresentado um posicionamento inadequado e uma reacção tardia ao lance?
A resposta para a maioria dos adeptos é o Grimaldo. Ora porque não está bem posicionado, ora porque não se antecipou convenientemente, ora porque chega sempre atrasado e não está focado, ora até porque é pequeno. É só escolher. É o alvo mais fácil de ser abatido. Mas, ninguém percebe as dificuldades que um lateral tem em lidar com este tipo de lances de cruzamento. Sobretudo, quando o cruzamento vem do flanco contrário como é o caso. A propósito disso, não é à toa o comentário do Gary Neville na recente masterclass com o internacional inglês Kyle Walker, como podem ver no vídeo seguinte (se puderem, vejam o vídeo todo, pois dá-vos um belo insight dos problemas, exigências e oportunidades na posição de lateral).



O segundo alvo mais fácil para os adeptos será culpabilizar o guarda-redes. De facto, vemos que o posicionamento do Odysseas poderia ser melhor. E, o apoio dos pés dele na abordagem ao lance poderiam e deveriam ter sido mais "limpo e seguro", pois com toda a certeza que permitiriam um menor tempo de reacção à defesa que acabou por não conseguir fazer. No entanto, é quase desumano exigir muito mais a estes jogadores naquelas condições de centésimos de segundo. O que pouca gente tenta perceber é a relação causa-efeito nestas jogadas. A opção mais correcta quanto à escolha da imputação de responsabilidades neste lance deveria ser a de André Almeida. O lateral direito encarnado deixa uns bons 4 metros de distância do seu marcador, deixando-o cruzar para a grande área com tremenda liberdade. De tal forma, que o cruzamento ainda por cima descreve um arco a fugir ao guarda-redes e à defesa (arco esse que acaba por enganar o Grimaldo que se vê esforçar-se por ganhar a frente ao Potuk, mas depois é apanhado em contrapé pela curvatura do arco). Saber a origem dos erros nem sempre é perceptível ao olho comum.


E, com isto chegamos ao terceiro ponto: a exibição do Cervi. Se olharmos para o número de recuperações defensivas, ficamos com a clara sensação de que o jogador é muito bom sem bola, ou seja, uma belíssima percepção. É isso que muitos adeptos elogiam e fazem bandeira. No entanto, neste jogo vê-se o problema do camisola 11: as perdas de bola. E, no rescaldo entre ganhos e perdas, verificamos que as perdas saem a ganhar, pelo que é aqui que recuperamos da primeira percepção para a realidade. Contudo, esta realidade, esconde uma segunda percepção errada, que se prende com o facto de associarmos estas perdas a uma incapacidade técnica do extremo argentino.


Nada de mais errado. De facto, podemos não gostar da forma de jogar do Cervi, mas ela é claramente prejudicada pelo modelo de construção de jogo estabelecido. Se olharmos bem para a forma como o Benfica constrói o jogo, ao invés da 2ª fase ser realizada pelos médios-interiores, ela está a ser realizada pelos extremos. Ora, tanto Cervi como o Salvio, estão na melhor das hipóteses nos meios-espaços. E, jogando como extremos puros, o pé dominante está virado para a ala ao invés do corredor central, o que lhes dificulta a combinação com os jogadores do corredor central. Isto acaba por promover o número de erros não forçados, com passes errados ou interceptados. Tem tudo a ver com o melhor posicionamento que os extremos podem adaptar. No entanto, o mais lógico seria a 2ª fase de construção ser concedida aos interiores que por sua vez iriam activar os extremos na passagem para a 3ª fase de construção. No entanto, acontece que os nossos interiores funcionam a um terço da sua capacidade: o Fejsa envolve-se pouco na construção e o Gedson é ainda um miúdo, com muito para aprender sobre o domínio do campo espaço-tempo. Sobra-nos então o Pizzi como motor de jogo da equipa, o que é pouco, muito pouco para uma equipa de Champions.





P.S.: E agora, é como o José Mourinho diz...


14 comentários:

  1. António Madeira15/08/18, 19:05

    Ora viva.
    No golo dos turcos, parece-me que a culpa é do Rúben Dias, que se desposiciona e deixa o Jardel sem poder ajudar o Grimaldo. Claro que o André dá espaço, mas repara no desposicionamento do Rúben. Para mim, a maior dose de culpa vai para ele.

    Quanto ao Gedson, o que mais me surpreende é a resistência física do miúdo. Três jogos seguidos de grande exigência física e apenas com 19 anos. Com tudo o que tem para melhorar, parece-me ser forte mentalmente e tem, por isso, um futuro risonho pela frente.

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    1. Se o André Almeida sai à pressão ao Kaldirim, este teria que contemporizar e isso dava-nos o tempo necessário para a nossa defesa se organizar melhor.

      A resistência física do Gedson não me surpreende, é miúdo e os ciclos de recuperação são menores. Vai ter sim um futuro risonho à sua frente se for inteligente e ficar no Benfica até aos 21 anos e não sair como o Renato Sanches. Estive a ver à pouco o Hamburgo e o Bayern e pensei para mim, quem te viu e quem te vê Renato. Muito lento com e sem bola. Muito pouca alegria e ainda não percebeu que tem de aprender a relacionar-se com os restantes jogadores. Muito a bola e ele.

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  2. Excelente analise e nada a acrescentar
    Parabens pela lucidez

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  3. O Gedson ganhou 3 dribles em 7. E os outros jogadores do Benfica? Quantos dribles ganharam?

    Tem-se focado nos aspectos negativos, nos erros e nas deficiências do Gedson (neste e noutros artigos anteriores).
    E o que o Gedson dá à equipa? A energia, o músculo, a velocidade, a coragem... esses aspectos não se contabilizam, não fazem parte das estatísticas, mas são muitas vezes a diferença entre a vitória ou a derrota.

    Claro que o Gedson tem de aprender muito.
    Num plantel mais forte teria tempo para aprender aos poucos, ir ganhando traquejo, fazer a transição aos poucos.
    No actual plantel do Benfica tem de ser assim à bruta.
    Também espero que fique no Benfica até aos 22/23 anos, fazendo no mínimo 3 ou 4 épocas completas e terminando a formação num ambiente familiar e amigo, sem ter de lutar ingloriamente por um lugar no onze em super-plantéis de tubarões.

    Evidentemente que o taberneiro que dirige o Benfica já encarregou o super-agente de encontrar uma equipa que faça uma proposta "irrecusável" e que depois não lhe quererá "cortar as pernas".

    É o que temos. Pelo menos mais 2 anos.

    Saudações benfiquistas,
    JVP

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    1. O JVP não percebeu o artigo. Isto aqui não é nenhuma crítica destrutiva ao Gedson. É sim uma crítica construtiva. O Gedson tem um potencial terrível, mas vejo muita gente a fazer dele o que o seu potencial poderá permitir e não a fazer dele o que realmente é neste momento.

      Estes artigos servem também para ir debatendo o que ele precisa de melhorar. Porque não te enganes. Precisamos que o Gedson seja o Gedson daqui a 3 anos, se quisermos competir ao mais alto nível. Por isso, quanto mais rápido ele crescer melhor.

      O Gedson dá energia, músculo, velocidade, coragem, mas somente em certos momentos em que ele consegue identificar e isso representa cerca de 25% do tempo. Quando precisamos de defender muitas vezes não vez essa energia. Depois a atacar, quando com bola nos pés, perde ainda muitos lances deixando o adversário ganhar-lhe a frente, revelando um pouco falta de músculo e velocidade. Depois falando de coragem, ainda lhe falta para atacar o corredor central (se bem que está a melhorar). Eu digo isto para colocar a malta com os pés no chão. Digo isto, porque há muitos problemas colectivos do Benfica que advêm da sua presença na estrutura, pois sem bola apresenta muitas lacunas ainda.

      Não escrevo isto para o rebaixar. Escrevo isto para que ele possa melhorar. E, estarei aqui para ser o primeiro a dar o corpo às balas para o defender, quando falhar.

      Sobre a possível saída, ele tem uma cláusula de 60M€. Se quiserem, já sabem. Até lá, é continuar por cá até baterem a cláusula.

      ;)

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    2. O problema é que com este presidente nunca foi preciso baterem a clausula para levarem os melhores jogadores.
      E não acredito que agora passe a ser preciso bater as clausulas...

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    3. Enquanto diziam que tínhamos de pagar rapidamente para sermos independentes financeiramente e libertarmos-nos dos bancos, eu até assentia que vendêssemos mais rapidamente. Agora, só devemos vender se chegarem cá e baterem as cláusulas de rescisão.

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    4. Nós não nos libertámos de rigorosamente nada. Ou achas que a "universidade" e os campos extra no Seixal e o centro de não sei quê se vão pagar sozinhos (às empresas dos amigos do Vieira)?

      Gedson está a ser levado no mesmo comboio do Renato e isso é assustador. A ordem parece ser meter a bola no Gedson e isso não vai fazer nada, rigorosamente nada, pela melhoria do jogo dele. Tal como o Renato, arriscamo-nos a andar aqui em Março a falar de como melhorias sem bola não há e de como ainda perde muitos lances para jogadores com mais traquejo apesar de tecnicamente inferiores. No que depender de RV não aprende, no que depender de LFV ele vende.

      «Quantos dribles ganharam?» - torna-se irrelevante para debater um jogador falar do que os outros fizeram. Os outros foram encarregues de colocar a bola no Gedson para ele em drible passar o meio campo adversário. Como mais ninguém tinha as funções do Gedson, o sucesso ou insucesso não é comparável.

      «A energia, o músculo, a velocidade, a coragem...» Ser era isto que a equipa precisava se calhar podíamos ter tentado contratar o Usain Bolt antes de ele ir para um clube australiano. Gedson pode ter isso tudo, como tinha o Renato, mas ou aprende com os erros do antecessor que num ano evoluiu zero e depois foi comido por tubarões, ou não aprende e segue o mesmo rumo. E sem europeu e com o mau exemplo do passado, se calhar o negócio seguinte não será tão exemplar...

      «Evidentemente que o taberneiro que dirige o Benfica já encarregou o super-agente de encontrar uma equipa que faça uma proposta "irrecusável" e que depois não lhe quererá "cortar as pernas".» Pois... :(

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    5. <>
      Espero bem que não seja assim. Ao RV peço para que seja mais exigente com eles e com o miúdo, para não ficar viciado como o Renato já era. Quanto ao presidente LFV, ele que cumpra com o que falou à pouco tempo. Está história do Rúben Dias vai ser uma prova dos nove.

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    6. O problema do LFV é com o verbo "cumprir". E com o substantivo "coerência"... ;)

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  4. Vinha eu preparado para ter daquelas discordâncias que elevam a lista de comentários para o nível NGB e de repente concordo com o post na sua maioria. Estás quase do lado de cá da linha do cini... realismo! ;)

    «De facto, podemos não gostar da forma de jogar do Cervi, mas ela é claramente prejudicada pelo modelo de construção de jogo estabelecido.» Ele e os outros todos. Era muito isto que eu dizia no outro post quando abordava o segundo golo do VSC na Luz. O que não quer dizer que o Cervi não se esteja a tornar no Sálvio da Esquerda...

    E até sobre o Almeida concordo. Confesso que ainda não tinha ouvido as críticas ao Ulisses, mas concordo que a abordagem dos laterais, em particular do AA (2 golos em 3 sofridos a nascerem na sua zona de acção), tem de melhorar e muito.

    Sobre o recurso ao Goalpoint, carece de cuidados, porque os números a seco não te dizem nada e não é claro como eles chegam ao indicador compósito. Isto para dizer que um passe completo, ou um dribble completo, não ajudam necessariamente a equipa. Da mesma forma que um passe falhado não é um mau passe intrinsecamente.

    E de caminho, nem uma palavra para os minutos que o Alfa teve em Istambul? Gostei imenso do pouco que vi.

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    1. Gosto muito do Alfa, mas acho que está condenado a jogar a 6 no Benfica, embora seria a 8 que faria furor. Estou a ver o interesse em Ramires e já antevejo a saída do Samaris. Ou seja, o Alfa será mesmo o suplente do Fejsa. Mas, isto ainda vai dar muito debate.

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    2. Ramires jogava bem no meio, mas não se portava nada mal na ala.

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