A prima-dona

Uma reflexão sobre o comportamento do virtuoso Ricardo Quaresma.

Numa semana, em que começou logo com uma reacção intempestiva de Ricardo Quaresma (mais uma!?), nada de mais sensato que tentar entender o porquê deste histórico reincidente do extremo português.

Percurso acidentado

Olhando um pouco para a sua carreira futebolística, destacaria desde logo uma saída (demasiado) precoce do Sporting para o Barcelona, após uma temporada fantástica em que fora uma das maiores sensações do campeonato. Com um Barcelona em busca do filão "Luís Figo" na cantera leonina - facto que já tinha levado o gigante catalão a ir buscar o Simãozinho a Alvalade anos antes - mas demasiado preocupado em obter resultados, do que propriamente a concluir a formação de um jovem jogador com apenas uma época de sénior, foi com uma certa naturalidade que a primeira e única temporada em terras espanholas não tenha resultado num retundo sucesso.

"Quaresming" reflecte o comportamento agressivo e
de mau perder, típico da cultura Portista, e que tem
denegrido imenso a imagem do extremo português.
Aqui está representada a versão "Street Fighter".

Volta então a Portugal e para o Porto. Aqui, é acarinhado e mimado. Aliás, demasiado mimado! Muito por causa também do lobbie que a equipa azul-e-branco possui nos órgãos de poder do futebol nacional. Com tanto proteccionismo, foi com alguma naturalidade que o Quaresma se impôs no futebol nacional. Mas, também foi das maiores razões para o terem fragilizado em várias vertentes. Não se pode corrigir um comportamento, elogiando esses mesmos comportamentos erróneos. Assim nunca se poderá evoluir nesses campos. E foi precisamente isso que se fez ao longo dessas temporadas no Porto. Quantas vezes o Quaresma não teve atitudes de mal perder básicas? Quantas vezes é que não se atirou aos adversários nessas temporadas? Quantas vezes não mandou os seus treinadores, no Porto, para um sítio que só ele sabe? No entanto, tudo foi camuflado. Tudo foi desculpabilizado... criando-se assim um monstrinho mimado!

Por tudo isso é que os grandes clubes de topo da Europa sempre olharam para o extremo de forma  desconfiada. E, com um preço de etiqueta bastante elevado, preferiram sempre optar por outras soluções bem mais seguras. Mesmo assim, a vida sempre lhe bafejou. Diria mesmo que o Ricardo nasceu com o "cu virado para a Lua", pois quando se tem "padrinhos" como Mourinho e Scolari, podemos dizer que se tem meio caminho andado para o sucesso. O problema é que a restante metade tem de ser ele a percorrer, e quando não se está habituado a caminhar pelos seus próprios pés, as coisas tornam-se muito difíceis... foi isso que aconteceu-lhe nas seguintes aventuras.

Em Itália, no Inter de Mourinho poderia ter sido a sua prova maior. Tivesse Quaresma entendido que no futebol de alta competição (bem diferente daquele futebol redoma que viveu até então no Porto) teria que fazer muito mais que umas quantas trivelas e rabonas... tivesse entendido, que um extremo em Itália tem de saber ajudar o lateral desse corredor a defender... tivesse entendido, que na maioria do tempo o futebol é jogado em equipa e a um ou dois toques, ao invés de jogadas individuais em que se vai zingue-zangueando por entre os adversários... tivesse entendido, a respeitar primeiro a autoridade do treinador, segundo os colegas de profissão e depois os adeptos que vão as estádio... Quaresma muito provavelmente não teria sido o bidão de ouro em Itália e muito provavelmente teria sido um dos mais influentes jogadores daquela equipa espectacular do Inter de Mourinho.

Quaresma foi considerado a pior
contratação do futebol italiano
no ano de 2008 com o prémio
bidão de ouro.

Ainda foi emprestado ao Chelsea, que na altura era treinado pelo brasileiro Scolari. Mas, mesmo com o ex-seleccionador nacional, o "minino" não conseguiu nunca convencer em Stamford Bridge. Quaresma estava a queimar todas as hipóteses que o mundo do futebol e os seus padrinhos estavam a conceder-lhe. Claramente, não era jogador para os principais campeonatos do mundo (Espanha, Itália e Inglaterra), ou pelo menos, para as melhores equipas desses campeonatos. Pelo menos do ponto de vista desportivo... porque do ponto de vista financeiro, depois da transferência para o Inter, Quaresma passou a ganhar principescamente e tendo tomado o gosto não mais quis fazer o "downgrade" salarial. É por isso mesmo que mudou-se para campeonatos de menor nomeada, mas onde pagavam-lhe principescamente. Foi assim que chegou à Turquia, mais concretamente ao Besiktas.

Ali, reencontrou com outros três internacionais portugueses, Simão Sabrosa, Hugo Almeida e Manuel Fernandes, que poderiam ajudá-lo a assentar o seu jogo e adaptação. Foi inclusive nomeado capitão da equipa, numa tentativa de criar nele hábitos de responsabilidade e altruismo colectivo. Chegaram mesmo a vir buscar um treinador português competente da nova vaga,  o Carlos Carvalhal, mas sem efeito, pois foi ele próprio um dos maiores culpados pela saída do treinador português. Enfim, deram-lhe todas as condições para ele triunfar, carinho dos adeptos (diria mesmo fanático), um vencimento altíssimo, uma equipa voltada para ele, um técnico que falasse a mesma língua, mas mesmo com tais condições ele não conseguiu liderar aquela equipa a um título no campeonato turco. Porquê? Porque veio ao de cima todos os seus defeitos que ao longo de toda esta sua carreira não soube trabalhar. Depois da Turquia, seguiu-se o médio oriente e agora o regresso ao Porto.



Trocaria-o por Salvio

Salvio com 23 anos já apresenta uma estabilidade
exibicional acima da média do Ricardo Quaresma.
Nesta foto, dá para perceber o quão voluntarioso
o argentino é em termos defensivos. Algo que já não
é tão consistente no extremo português, infelizmente.

Futebolisticamente falando, o Ricardo Quaresma é dos jogadores mais talentosos do futebol nacional e diria mundial. É um autêntico "abre-latas" e tem um reportório de fintas a tender para o infinito. Quem não conhece as suas famosas "rabonas"? E, as suas trivelas? É talvez dos únicos jogadores actualmente do mundo que constantemente baseia o seu jogo de cruzamento com gestos técnicos utilizando a parte exterior do pé. No entanto, continua a ter tomadas de decisão próprias de jogadores com 17 e 18 anos. Continua a querer fintar meio mundo sozinho, sem recorrer ao jogo colectivo. Aliás, "jogo colectivo" é algo que não deve vir no seu dicionário... Para agravar ainda mais a situação, ele raramente defende ou ajuda no processo defensivo... e quando o faz é quando se enerva com o adversário e salta-lhe para as pernas em tentativas de agressão! Enfim, um jogador muito instável do ponto de vista emocional e colectivo.

Sinceramente, não o trocaria pelo Salvio, não apenas porque seria um mau negócio logo à partida trocar um jovem jogador como o argentino com um já veterano Quaresma, mas porque futebolisticamente falando ficaria a perder. A única coisa que posso apontar ao Salvio, dos últimos jogos, é talvez um excesso de individualismo, mas mesmo assim esse excesso representa na escala do extremo português o que para este significa de jogo colectivo. Portanto, dá para ver as diferenças.

Depois, em termos físicos, o Quaresma parece-me um jogador que não é capaz de aguentar 90 minutos à Liga dos Campeões... actualmente, ele desaparece do jogo durante largos períodos do encontro, o que também é sintomático de uma má condição física.


Haverá recuperação?
O seu regresso ao Porto é apenas por um motivo: ir ao mundial 2014 no Brasil. Contudo, interrogo-me se ele não deveria ter outro propósito mais ambicioso? É que ir ao mundial, através de uma selecção cujo leque de possíveis seleccionáveis não se extende por um número quase infinito, como acontece com outras selecções nacionais, não é lá muito difícil. Basta quase estar bem fisicamente, em forma e a fazer exibições q.b. para ser seleccionável. Eu penso é que os seus objectivos deveriam ser outros... o de tentar corrigir os seus defeitos. No entanto, penso que regressar ao Porto não é o melhor local para fazer isso, pois foi o local onde consolidou todos esses vícios, conforme retratei acima.

Podemos ver um pouco esta história do Quaresma como a história por detrás da origem do "Darth Vader" da Guerra das Estrelas. Tal como o "Anakin Skywalker", o verdadeiro nome de "Darth Vader", Ricardo Quaresma era um tipo cheio de talento, só que foi seduzido para o lado negro da força, neste caso do extremo, para o Porto. Aí ele aprendeu a utilizar todas as artimanhas obscuras desse lado negro da força. Mas, estas baseadas em valores menos nobres, poderiam dar-lhe uma sensação de enorme poder de forma imediata, só que a médio e longo prazo desvaneciam e revelavam o que de mal havia nele.

Conseguirá o Quaresma sair do lado negro da força?

Mas, porque as coisas tendem a reequilibrar-se acredito que ainda haja salvação para o Ricardo Quaresma, tal como houve para o "Darth Vader" no final da triologia da Guerra das Estrelas. O mundial poderá ser esse ponto, mas para isso, o Quaresma precisará de estar receptivo. Precisará de ser mais humilde e menos arrogante para com todos os que estão junto dele. E, precisará fundamentalmente muita força de vontade.

Acredito que ele tenha um bom coração... que seja um bom "minino", tal como o Scolari o chamava. Aliás, nunca me vou esquecer do golo que ele dedicou à sua mãe, no dia de aniversário desta, num Portugal - Bélgica no estádio Alvalade XXI. Viu-se que ele naquele jogo queria fazer algo de muito especial e dedicá-lo àquela que deve ser muito provavelmente a pessoa mais importante na sua vida. Acredito no samurai que ele diz ter dentro dele e na sua religiosidade... e, penso mesmo que tem de ser por aí que os técnicos que trabalham com ele devem pegar, muito antes de começar a apontar todos os erros que ele comete. Nota: isto é muito diferente do que o Porto está a fazer com ele, que é dar o corpo às balas e passar-lhe a mãozinha pela cabeça do menino. O que gostaria que o fizessem com ele era responsabilizá-lo pelos seus actos, mas ao mesmo tempo trazê-lo para o "lado bom da força". E, acho que isso até seria relativamente fácil fazê-lo.


Deverá ir ao mundial?
Eu acho que a resposta a esta questão só dependerá do extremo português. Talento ele tem. Faltará verificar se tem força de vontade para mudar um pouco o seu jogo e mentalidade. Se não o fizer, haverá concerteza outros que o farão e estarão em melhor posição para ocupar o lugar. E, nessa situação, o seleccionador não pode ter contemplações e deve decidir o que é melhor para o grupo e para ele.