Em noite de Rei(s), foram...

... deram à Luz o menino do bom futebol. Digam lá se não há um lado romântico no futebol?

Quantos de vós diria que poderíamos golear um Marítimo sem Luisão, sem Nélson Semedo, sem Samaris, sem Salvio, sem Gaitán, sem Mitroglou - tudo jogadores titulares - à uns meses atrás?

É verdade que eu próprio também não tenho ficado deslumbrado com as exibições encarnadas esta temporada. Também eu tenho tecido críticas a alguns aspectos do jogo colectivo. Mas, tenho-o feito de forma construtiva, ao contrário de outros. E, fá-lo porque entendo os passos e as dificuldades que o Benfica está a passar em termos de consolidação de modelo de jogo.

À pouco tempo, comentava aqui, que entendia as palavras de Rui Vitória quando falava de que os seus jogadores estavam em ritmos diferentes. Assim como, entendi perfeitamente as suas palavras quando se referia ao "processo". Termo que muita gente não tardou em comentá-lo em tom juncoso, tal como anos antes, fizeram-no com a expressão de "treino invisível" proferida pelo espanhol Quique Flores.

Um pequeno aparte: pouca gente percebeu o porquê dessa expressão do espanhol, mas o que ele estava a tentar explicar, sem melindrar os seus jovens jogadores, é que muitos tinham de amadurecer em termos competitivos e a serem mais inteligentes tacticamente. Isso leva à tal referência do "treino invisível". Uma referência diga-se que até nem sequer é recente e que vem desde os tempos de Arrigo Sacchi e os seus treinos tácticos sem bola e com cordas... E por falar no técnico italiano, sabiam que ele até nem teve um começo fácil no grande Milan? Onde é que eu já ouvi isto? Pois é, também já ouvi isso do Barça de Guardiola. Mas, chega de pequeno aparte!

Retomando o tema do Benfica, é notório o trabalho de "nivelação" feito por Rui Vitória. Só assim podemos responder de forma racional à questão inicial deste texto. Tenho sérias dúvidas que mais algum treinador fosse capaz de fazer mais e melhor do que tem sido feito com os recursos à sua disposição. Isto não significa que não tenhamos de ser exigentes com o seu trabalho. Aliás, volto a referir boa parte das minhas críticas, desde a pré-época até ao momento. Mas, ao menos não vemos o Rui Vitória a pedir mais reforços como outros que estão mais acima na tabela classificativa.

Outro pequeno aparte: serei o único a achar estranho que um treinador peça claramente reforços para a sua equipa, colocando indirectamente em causa o trabalho de quem lá está, sem que ninguém na imprensa questione? E, ainda por cima, ao não ter esses reforços coloca logo a seguir pressão sobre as arbitragens? E, ninguém consegue fazer a ligação causa efeito disto tudo?

E, o trabalho que é formar em competição? Quantos treinadores de topo vocês conhecem que torcem o nariz quando uma direcção tenta-lhes incutir a aposta em jovens? O José Mourinho actualmente só trabalha com jogadores "feitos". O Carlo Ancelloti idem. O chileno Pellegrini a mesma coisa. O Rafa Benitez também. O Simeone igualmente. O André Villas-Boas o mesmo. E, para não falar no ex-treinador do Benfica... Todos estes torcem o nariz porque sabem que se já é difícil treinar em alta competição, devido ao calendário de competições, lesões, momentos de forma, treinos tácticos,... incluir por vezes a formação e formatação de jovens jogadores, ensinando-lhes miúdos a jogarem como graúdos, é muito complicado porque é um trabalho demoroso e muitas vezes (quase sempre) não linear (a curva de aprendizagem das pessoas não é igual entre elas). Por exemplo, olhem para a exibição do Renato Sanches. Não foi nem de perto nem de longe a sua melhor exibição, hoje. Se em Braga, na sua estreia deu boas indicações num meio-campo a três jogadores, nos jogos mais recentes e num meio-campo a dois, temos visto algumas lacunas do seu jogo, nomeadamente o jogo posicional defensivo. No entanto, tem melhorado jogo-após-jogo. Isto é trabalho da equipa técnica. E isso é algo que o adepto leigo não vê e muitos nem sequer entendem ou dão mérito.

Montar uma equipa, não é o mesmo que montar um lego. É verdade que existem peças da lego de vários formatos e dimensões, mas os encaixes são todos iguais. O mesmo já não acontece com os jogadores. E, muitas vezes o primeiro trabalho de um treinador é exactamente tornar os "encaixes" dos jogadores universais. Mas, só isso não resolve. O treinador precisa de ir estar atento aos outros capítulos do treino. Ou seja, há muita coisa a acontecer ao mesmo tempo. Por exemplo, muitos criticam que os jogadores estão perdidos em campo. Mas estarão mesmo? Já desde o jogo do derby na Luz que isso é uma falsa noção por parte dos adeptos mais leigos. Nesse encontro, que analisei aqui, enquanto o resultado estava em aberto, e o descontrolo emocional não se tinha apoderado dos jogadores encarnados, em termos tácticos a equipa estava bem, pois conseguia desenvolver o seu jogo até ao último terço do terreno (à grande área adversária). Isso só se consegue porque há trabalho feito de qualidade no treino diário. O mesmo aconteceu hoje.

Reparem que o Benfica durante os primeiros 20 a 25 minutos estava a circular bem a bola, os alas e atacantes estavam a ocupar bem os espaços e a atacar bem os espaços vazios, mas porque o ritmo com que os nossos defesas e os nossos médios trocavam a bola na primeira fase de construção, ser diferente do ritmo que os outros faziam as movimentações, ora a bola era perdida por um passe que era interceptado, ora simplesmente lá tinham que reiniciar a construção de jogo. O mais engraçado é que quando eles deram o clique, ou seja, pensaram e executaram as coisas ao mesmo ritmo, o Benfica marcou o primeiro. Logo a seguir, veio o segundo. E, pouco depois o terceiro. Mesmo na segunda parte, independentemente de ter havido golos por grande penalidade, pudemos assistir a uma reedição da sintonia entre os jogadores, pois as jogadas que originam esses lances foram sucessivas.

O que dizer então das substituições. Eu olho para a maioria das equipas em Portugal e vejo uma grande diferença quando fazem substituições nas suas equipas. Há quase sempre um decréscimo de qualidade. No Benfica, admito que o mesmo já aconteceu. No entanto, se considerarmos que o onze já de si é feito de suplentes, então os actuais substitutos são os suplentes dos suplentes (ou seja, reservas). E o quão bem entraram os nossos reservas em campo hoje. É claro que é mais fácil jogar quando estamos a ganhar 5 a 0, mas mesmo assim é preciso estar preparado. E, eles estão. Ah! O resultado final, até acaba por ser o menos importante, dado o tom deste artigo, mas para ficar mencionado: Benfica 6 - Marítimo 0.

A tudo isto chamo de "nivelação com exigência", ou seja, no seu sentido mais positivo, uma vez que estão a nivelar a qualidade para cima e não para baixo. Agora, imagine o leitor Benfiquista (presumo), o quanto não iremos jogar quando todos aqueles que são teoricamente habituais titulares estiverem recuperados? E a competitividade interna que não haverá nos treinos? Digam lá se não temos razões para estar optimistas?

P.S. 1: Gostei imenso da atitude de Rui Vitória na conferência de imprensa antes deste encontro contra o Marítimo. Ele não respondeu a um ou a outro individualmente, nem o deve fazê-lo para evitar que outros possam-lhe responder. Ele respondeu ao contexto que lhe estão a criar e atacou cirurgicamente todas as críticas que lhe apontaram, conforme poderão ver pelo seguinte video.

P.S. 2: Acabo que ouvir as declarações do Judas em jeito de resposta à conferência de imprensa do Rui Vitória. É uma resposta de baixo nível. Talvez por aqui percebe-se o verdadeiro porquê de ele não ter continuado por cá. Eu até leio nessas suas declarações (e noutras ao longo da temporada) uma certa azia e inveja de não estar por cá, ou se calhar, porque o processo em tribunal que o Benfica lhe moveu tem pernas para andar... De qualquer maneira, a melhor reposta que o Benfica, e sobretudo, o Rui Vitória pode dar (e todos vós numa situação idêntica) é aquela expressa no seguinte conto Zen:

De Quem é o Presente?

Perto de Tóquio vivia um grande samurai idoso que agora se dedicava a ensinar o zen aos jovens. Apesar de sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário. Certa tarde, um guerreiro conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu por ali. Era famoso por utilizar a técnica da provocação: esperava que seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de uma inteligência privilegiada para reparar os erros cometidos, contra-atacava com velocidade fulminante. O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta. Conhecendo a reputação do samurai, estava ali para derrotá-lo, e aumentar sua fama. Todos os estudantes se manifestaram contra a ideia, mas o velho aceitou o desafio. Foram todos para a praça da cidade, e o jovem começou a insultar o velho mestre. Chutou algumas pedras em sua direcção, cuspiu em seu rosto, gritou todos os insultos conhecidos, ofendendo inclusive seus ancestrais. Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível. No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se.

Desapontados pelo fato de que o mestre aceitar tantos insultos e provocações, os alunos perguntaram:

- Como o senhor pode suportar tanta indignidade? Por que não usou sua espada, mesmo sabendo que podia perder a luta, ao invés de mostrar-se covarde diante de todos nós?

- Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente?

- A quem tentou entregá-lo - respondeu um dos discípulos.

- O mesmo vale para a inveja, a raiva, e os insultos - disse o mestre - Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo. A sua paz interior, depende exclusivamente de você. As pessoas não podem lhe tirar a calma, só se você permitir...

P.S. 3: Por fim, e porque quero e devemos olhar sempre pelo lado positivo das coisas, que melhor forma que terminar este artigo que não seja com o tributo das bancadas da Luz ao seu Eterno Rei: Eusébio?

Tu és o nosso Rei, Eusébio
Descansa eternamente.