09 fevereiro 2019

Apesar da caça ao menino...


... no dérbi da primeira mão da meia-final da Taça de Portugal.

O Bruno Lage já tinha avisado que o tempo que teve de preparação entre o jogo de domingo e 4ª feira só daria para recuperar os jogadores e não tanto para fazer evoluir os processos das ideias de jogo que está a implementar na equipa, pois estes necessitam de serem corporalizados através das unidades de treino. Contudo, há mais interesse em saber se ele convoca ou não um Jonas ainda inapto para a alta competição. E, é assim que o jornalismo desportivo em Portugal vai tratando um dos treinadores com maior abertura para falar das verdadeiras questões que giram à volta do futebol propriamente dito. Depois não se queixem que os treinadores acabem por usar lugares comuns nos respectivos discursos. No fundo é o reflexo da comunicação social que temos. Bem, mas serve este reparo para o leitor para começar a ver e a ouvir as conferências de imprensa do técnico encarnado, pois para quem quer perceber dos desafios que giram à volta da gestão de uma equipa profissional de elite, é delicioso e, pode explicar muito do que se passa em campo.


Na realidade, o aviso do treinador do Benfica acaba por se reflectir muito bem em 3 jogadores: Salvio, Pizzi e João Félix. Para esta primeira mão da taça de Portugal, o Bruno apostou no internacional argentino como extremo puro direito, derivando o camisola 21 para o flanco esquerdo, jogando como falso ala/interior esquerdo. O novo "miúdo-maravilha" da Luz ocupou a sua posição natural, como avançado. Contudo, por falta de treino para interiorizar alguns princípios, que precisam de ser ajustados tendo em conta as características dos jogadores e as posições que ocupam, a dinâmica nunca foi a melhor. Em ataque organizado, sentiu-se bem essas dificuldades. O Salvio nunca encontrou o espaço para depois desenvolver o melhor que ele pode oferecer: o um-contra-um. Isto, porque a forma como a equipa variava o centro de jogo da esquerda para a direita, não foi a melhor e a mais fluída. A esse facto, muito contribuiu, a dificuldade que Pizzi teve em posicionar para receber a bola no flanco esquerdo, quer ela fosse endereçada pelo Grimaldo ou pelo Gabriel (ou até mesmo, pelo Jardel). Todos estes jogadores para combinarem entre si, precisavam de dar mais um toque ou dois na bola para poderem reposicionarem-se perante o jogo. Isto é retirar tempo à tal janela de oportunidade curta que o adversário concede quando ele próprio se está a reajustar posições. Depois, um certo conservadorismo e falta de eficácia no passe leva a que a bola em vez de transitar rapidamente do flanco esquerdo para o direito, leva uma eternidade até chegar ao Toto. Quando ela lhe chega aos pés, já tem dois ou três à sua volta (neste jogo, o Borja, o Ilori e o Wendel,ou até mesmo o Bruno Fernandes).


Este foi o grande problema do Benfica em todo o jogo. Que ficou agravado por outros dois motivos. O primeiro é que o camisola 18, ao receber a bola nessas condições, em vez de analisar a situação com a cabeça, utiliza logo o seu instinto, ou seja, joga-se logo para o um-contra-um, que na realidade se transforma num um-contra-três ou quatro. O que o Salvio deveria perceber é que se não estão reunidas as condições para ele driblar um ou dois e ter o número de apoios suficientes de colegas para o poder ajudar a desequilibrar o adversário, deve reiniciar a jogada, passando a outro colega, circulando a bola. Este é um problema muito comum dos jogadores que fizeram formação como atacantes. O segundo motivo, prende-se com o jogo interior do João Félix. Em Alvalade, quando o Pizzi flectia para dentro sobre o flanco direito, arrastava a marcação do lateral esquerdo e do médio defensivo do Sporting, libertando o Félix para poder explorar o flanco direito do nosso ataque. Na Luz, com um Salvio mais aberto na ala direita, já não tinha esse espaço. Precisava de jogar mais de costas para a baliza adversária e aqui como é natural há ainda muito trabalho para ser feito. Mas também, a tarefa já de si não era fácil, tal a caça ao homem que foi sujeito. E, mesmo assim, teve os seus momentos no jogo, o que é de salutar.



Portanto, como o plano de jogo em ataque planeado estava pouco oleado, e porque somos efectivamente superiores, tanto a nível individual como colectivamente, ao Sporting, foi com uma certa naturalidade que chegámos à vantagem num lance de transição rápida. Engraçado, que neste jogo, talvez para gerir melhor o esforço produzido no domingo passado, a equipa não entrou tão pressionante sobre a equipa leonina. Contudo, é devido a vários princípios de jogo defensivo introduzidos pelo Lage, por exemplo a cobertura das linhas de passe para o corredor central e armar as zonas de antecipação para cortar os passes, que se dá o roubo de bola a meio-campo e o respectivo contra-ataque conduzido pelo Salvio, que depois passa para o Pizzi que temporiza para a entrada em overlap do médio todo-o-terreno Gabriel. Nesta jogada, percebe-se um pouco o que o Lage pretendia com a colocação do Salvio na ala direita e com Pizzi sobre a esquerda. A ideia é excelente, mas precisa de ser melhor trabalhada.


No entanto, tendo pouco tempo de preparação para este encontro, não teria apostado no Salvio de início e, mesmo colocando-o depois em campo, não seria para aquela posição no meio-campo. Na minha opinião, sabendo que o Keizer iria reconstruir a ala esquerda quase por completo, tinha continuado a apostar no Pizzi na direita, procurando o triângulo formado por André Almeida, Pizzi e João Félix para explorarem as fraquezas da falta de entrosamento daqueles jogadores leoninos. Percebo a ideia de dar minutos de jogo ao Salvio, para que este recupere rapidamente a forma física. Mas, o Cervi também precisa de ser incluído no modelo de jogo e fisicamente está em muito melhor forma que o Toto. Ora, o camisola 11 encarnado seria a minha aposta neste encontro para substituir o Rafa. Dessa forma, tentaria explorar a assimetria táctica do 4-4-2 do Lage (que muitas vezes mais se parece com um 4-2-2-2) ao pedir para o Cervi ficar encostado na linha e ao Grimaldo para flectir para o corredor central, procurando combinar com o Gabriel, para que este depois pudesse explorar a profundidade do corredor com o Cervi. E, reparem, com o trio da direita a concentrar jogo, facilmente o Pizzi conseguiria conectar-se através da sua qualidade de passe ao Gabriel para este depois activar o Cervi e/ou o Grimaldo na esquerda. Desta forma conseguiria resolver o problema do pouco tempo de preparação, mantendo uma qualidade de jogo no sector intermediário que produziria maior número de situações de perigo para a baliza do Sporting.


Mantendo esta base qualitativa do jogo, conseguiria depois lançar jogadores como o Gedson e o Salvio, por exemplo. Depois de Cervi, penso que é fundamental o Lage começar a integrar ainda mais jogadores como o Gedson e o Salvio (para não falar no Zivkovic que ficou de fora da convocatória por opção técnica). Neste encontro, via o Gedson a entrar para o lugar de Pizzi, sobre o lado direito, e o Salvio para o lugar do João Félix ou do Seferovic, jogando como avançado. É muito importante começar a incluir estes jogadores nas ideias de jogo. A melhor forma é exigir-lhes polivalência. Por exemplo, o Gedson pode facilmente jogar na posição do Pizzi, para além das funções no corredor central, como um médio "6" ou "8" e, inclusive, jogar como lateral direito. O Salvio, também pode jogar a avançado e a lateral direito, para além da posição que tem feito carreira no Benfica (extremo direito puro). O Cervi pode jogar como extremo-esquerdo puro, falso extremo-direito e até mesmo lateral esquerdo. O Zivkovic pode também jogar como médio-ala esquerdo e direito, ou atrás do ponta-de-lança. O Krovinovic, pode jogar como "8" ou como "10" ou como "7" ou como "11". O próprio Fejsa e o Samaris podem jogar como centrais se for necessário. Neste encontro, até havia necessidade, após a lesão do Jardel. Mas, valeu termos o Ferro no banco para colmatar esta lesão e o facto de Fejsa também estar indisponível para este encontro.


Tal como o Kompany no Manchester City, o central brasileiro tem tido imensos problemas físicos que o impedem de dar outro salto qualitativo e peso no onze titular. Aliás, poderemos ter o mesmo discurso para o Fejsa, o Salvio e o Jonas, todos eles talvez os jogadores com maior cartel futebolístico na Luz e todos eles muito limitados a nível físico para uma equipa de elite do futebol mundial. Parte do curto e médio prazo da estrutura do Benfica será resolver estas situações, mas essa análise deixo para outro momento. A verdade é que os miúdos mal ou bem vão aproveitando as oportunidades e o Ferro será, com toda a certeza, mais um. Mas, sobre este também ficará combinado uma análise futura. O que é certo é que o Benfica saiu da Luz com uma vitória e a uma exibição convincente da nossa superioridade. No entanto, por vários motivos, internos e externos, deixámos ainda esta eliminatória em aberto, o que faz com que não possamos relaxar em abril.



14 comentários:

  1. Ora bem, PP! Que grande análise ao jogo. Foi tão isto que aconteceu com o nosso ataque posicional...foi pena o Rafa precisar de descanso, se tivéssemos mantido o Pizzi na direita e o Rafa na esquerda, o jogo teria sido bem mais próximo do jogo do campeonato...já sabes o que acho do ex-Dom Salvio, esperar dele essa inteligência na leitura de jogo e a decisão de reorganizar e circular em vez de partir para o um contra três ou quatro é como esperar do Trump que discorra profundamente sobre a História do movimento dos direitos civis...mas percebo bem o Bruno Lage, foi muito sábio em termos de gestão de pessoas/balneário. Encostou um dos pesos pesados do balneário, com o Rafa a precisar de descanso e a goleada ao mesmo adversário três dias antes, haveria melhor altura para amansar o ego ferido do ex-Red Pass Relvado?...

    Só fico triste com a falta de protagonismo de Ziv e Krovi...

    É bem verdade o que dizes das conferências de imprensa de Bruno Lage. Em quaisquer 5 minutos das CI dele, fala muito mais de futebol do que o RV falou em três anos e meio...

    E ganhou em três dias o mesmo número de derbies que o RV ganhou em três anos e meio!!?! Como é possível termos perdido tanto tempo e tantos títulos com um medíocre daqueles? Para mim, como sabes, a sua mediocridade sempre foi uma evidência. Mas agora o contraste com o Bruno Lage ainda veio tornar a coisa mais obscena...

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    1. Sobre o Rui Vitória, tu queres ter a razão, mas a verdade é aquela que eu defendo e que o próprio Lage se refere. Não se pode fazer comparações porque são contextos diferentes.

      O Zivkovic e o Krovinovic não devem estar a treinar direito. Logo, não jogam.

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    2. O Lage faz muito bem em dizer aquilo, se dissesse a verdade ia-lhe ficar muito mal.

      Mas tu não tens as mesmas obrigações que ele...queres concretizar em que é que os contextos são diferentes?? Lembro-me de uma diferença: o RV começou o campeonato em igualdade pontual com o FCP, o BL recebeu a equipa com sete pontos de atraso...realmente são contextos diferentes - o do RV era muito melhor. Se ganharmos hoje, o BL terá recuperado seis desses sete pontos em um mês de trabalho...

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    3. Sobre o Ziv e o Krovi, sim, também já acho que só pode ser isso...e há muitos rumores nesse sentido...

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    4. O BP, a tua opinião é a tua. Agora ele pode pensar de outra forma não achas? Repara que nas costas dos outros vês as tuas.

      Tens de entender que há várias formas de chegar ao sucesso. E, isso aplica-se ainda mais no Benfica, uma vez que contamos verdadeiramente com um plantel muito rico em opções e qualidade. Como tal, jogarmos em 4-4-2, ou em 4-3-3 ou noutro sistema qualquer, não será com toda a certeza uma grande problema.

      O Rui Vitória apostou no 4-3-3 para equilibrar o meio-campo que na época passada foi um autêntico passador em Basileia, jogando em 4-4-2. Foi em 4-3-3 que o Jonas chegou ao recorde de golos marcados numa época, jogando como único avançado. Foi esse sistema que deu estabilidade suficiente para a equipa conseguir chegar ao primeiro lugar na época passada.

      Houve erros sim do Rui Vitória, disso não digo o contrário. Mas, a forma como te estás a exprimir parece que o Vitória não fez nada, o que está errado. O próprio Lage afirma com toda a sua sinceridade que tem aproveitado muito do bom trabalho que a equipa técnica do Rui Vitória fez. Óbvio que tem adaptado as suas ideias e dado o seu cunho pessoal, mas não começou do zero. Isso para mim, é também sinal de inteligência por parte do Bruno.

      Agora, seria importante não alimentarmos comparações. O tempo do Rui Vitória já passou e o Bruno Lage merece trabalhar tranquilamente e sem pessoal constantemente a fazer comparações. Aliás, isso foi algo que sempre desgostei quando estavam constantemente a comparar o Vitória ao Jesus.

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    5. Sobre o Krovi e o Zivko, a malta só os vê com a bola nos pés. Esquecem que durante 90 minutos os jogadores passam a maioria do tempo sem a bola nos pés. As acções sem bola são para mim, tão ou mais importantes que as acções com bola. São as acções sem bola que permitem por um lado recuperar a bola mais rapidamente (quando não temos posse), mas também mantê-la com maior qualidade.

      Há uma tendência enorme dos jogadores tecnicamente evoluídos pensarem que a relação futebolística é a relação jogador-bola. O problema é que o futebol é um jogo muito mais complexo que essa relação.

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    6. Mas quem falou no sistema táctico? Até parece que o foco das minhas críticas ao RV alguma vez foi a questão 442 vs 433...tu sabes bem que não pelos debates que aqui mantivemos nos últimos anos, não sei porque de repente me confundiste com a horda.

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    7. Completamente de acordo quanto à importância das acções sem bola, até porque os jogadores passam 87 ou 88 dos 90 minutos sem bola. Mas não concordo com a aplicação disso ao Krovi e ao Zivko. Acho que é mais o cliché do jogador tecnicista, que aliás referes, que estás a projectar neles. Repara que na época passada ambos jogaram a 8 no 433 e em nenhum deles viste esse desprezo pelas acções e trabalho sem bola, inclusivamente em momento defensivo.

      Eles não têm culpa de terem técnica, criatividade e inteligência. Nem o facto de o terem os condena a só jogar com bola.

      Agora, se são pouco profissionais em geral, ou nos treinos em particular, aí já é outra conversa. E se for por isso, já percebo que o BL não os utilize - e concordo!

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    8. Nem falo somente no Krovi e no Zivko. Falo também do Cervi que pela intensidade com que joga muitas vezes confundem isso com trabalho defensivo de qualidade. O Jonas a saber cortar linhas de passe a andar pode ser tão ou mais influente defensivamente que um louco a morder os calcanhares do adversário.

      Agora é preciso trabalharem bem esses processos que vão diferir de jogador para jogador.

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    9. BP, a estória do sistema táctico nem é tanto contigo... My bad! 😉

      Mas, há muita gente a falar disso. Muita gente pensa que é só uma questão de sistema táctico.

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    10. Oh pá, então não há! Mas isso em geral é gente que nem sabe distinguir entre sistema táctico e modelo de jogo ;-)

      Obrigado por reconheceres o erro :-)

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  2. Eu não comento, só observo o Glorioso a jogar. E bato palmas. ^^

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    1. Cada vez mais precisamos dos nossos adeptos a apoiar e a marcar presença nos jogos. Isso será fundamental para a RECONQUI37A. 😉

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