12 fevereiro 2017

Afinal não são uma equipa assim tanto...


... quanto nos tentam vender.


Apesar de ser um fan das ideias de Thomas Tuchel para com o seu Dortmund, não posso deixar de colocar o dedo na ferida quanto à crise de resultados da equipa germânica está a viver. Recordo, que muitos adeptos Benfiquistas suspiram pelo técnico germânico, quando as coisas começam a correr mal no Benfica de Rui Vitória. O mais engraçado (ou talvez não) é que provavelmente com o Tuchel no Benfica, dificilmente penso que ainda estaríamos na liderança do campeonato. Duvidam?

Então reparem, tal como o Benfica, o Dortmund vendeu no início da temporada importantes jogadores do seu onze titular e, ao longo desta temporada, tem tido imensos infortúnios com várias lesões prolongadas e repetitivas de vários jogadores. No entanto, enquanto a equipa de Rui Vitória lá conseguiu construir algo sobre todas estas adversidades, a de Tuchel, nem por isso. Tem tido um comportamento intermitente, ora fazendo grandes exibições, como os encontros frente ao Real Madrid para a Liga dos Campeões, ora desiludindo frente ao lanterna vermelha da Bundesliga, como ontem à tarde (frente ao Darmstadt). Isto deveria de servir de lição para alguns adeptos pensarem um pouco antes de começarem a falar.

No entanto, admiro as ideias do Tuchel. Ele tem uma visão do jogo baseada puramente em princípios de jogo. Adicionado a esta ideia, o facto de não poder contar com todos os seus jogadores todas as semanas de trabalho, ele acaba por para cada jogo desenhar um sistema de jogo que tente potenciar os jogadores que tem à disposição, tentando ao mesmo tempo esconder possíveis dificuldades e lacunas. É por isso, que tão facilmente vemos o Dortmund a jogar no tradicional 4-3-3. como a evoluir para um 3-4-3, enquanto noutros jogos, a equipa dispõe-se em campo num 5-2-3, e noutros num tradicional 4-2-3-1. E, isto sem contar com as inúmeras alterações tácticas a meio das partidas. Isto significa que ele é claramente um treinador de princípios. E, eu gosto muito disso, porque considero que esse seja o futuro.

Mas, para isso é preciso ter uma equipa inteligente, recheada de jogadores que tenham tido essa escola. E, é aqui que a meu ver o plano e a ideia do Tuchel esbarra numa realidade que ele não está a contar e que deveria. Mesmo tendo em conta a evolução da formação no futebol germânico na última década, muita dela é ainda estruturada e assente num modelo de jogo baseado num sistema de jogo: o 4-2-3-1. Lembram-se do Bayern Munique de Jupp Heynckes ter ganho ao Dortmund de Klopp na final da Champions em 2012-2013? Ambas equipas jogaram em 4-2-3-1. Lembram-se também da Alemanha sagrar-se campeã mundial num 4-2-3-1? Pois bem, é fruto desse modelo da formação. O problema é que a tendência é para se confundir um modelo de jogo com o sistema de jogo. O problema é confundir-se uma metodologia de treino baseada em princípios com uma metodologia de treino baseada em funções específicas.

E, é por esse motivo que os próprios alemães se apaixonam pelo modelo espanhol do Guardiola. É para ter esse perfume e controlo sobre o jogo que o Bayern Munique contrata no ano seguinte o técnico catalão. E, é aqui que nasce uma nova era no futebol germânico, onde o Tuchel também se apoia. A grande dificuldade então é mudar um pouco a mentalidade dos jogadores que estão habituados a treinar rotinas de jogo, para treinar princípios de jogo. No fundo, eles precisam de reaprender a jogar futebol. Muitos dos treinos de princípios são treinos mais elaborados que aqueles que hoje em dia dá-se aos miúdos no Seixal. Mas, é esse o caminho, porque só dessa maneira, o jogador aprenderá melhor a entender o jogo, ou seja, a ser mais inteligente. E, quando o jogador é mais inteligente é mais autónomo. E, quanto mais autónomo ele for, mais rápido será para o treinador passar uma mensagem e ele entendê-la e, mais do que isso, executá-la da melhor maneira possível. Tudo, isto, porque o futebol é muito mais rápido e mais dinâmico hoje do que alguma ver foi até ao momento.

Por isso, apesar das derrotas e empates do Tuchel, não deixo de ser seu adepto, pois este é o preço do investimento que terá retorno a médio prazo. Pelo menos, se conseguir aguentar a pressão dos resultados. Este processo (palavra tantas vezes ridicularizada, mas que deveria ser revista com outros olhos por muitos em Portugal) se é difícil de ser aceite na Alemanha, aqui em Portugal diria que é quase impossível. Contudo, é aqui que tenho de tirar o meu chapéu ao que o Rui Vitória está a fazer no Benfica. Ele, paulatinamente está a fazer evoluir o Glorioso para uma equipa de princípios. Até a sua metodologia de treino assim o indica. No entanto, ao contrário de Tuchel, não tem cortado por completo com o passado. Ao aproveitar a estrutura já assente, o Vitória vai ano após ano, mês após mês, semana após semana, incutindo a filosofia de treinar por princípios, deixando cada vez mais o treino de sistematização de processos, algo que estava muito enraizado do ex-treinador.

Não é à toa, que a nossa defesa evoluiu imenso com o Rui Vitória. Não é à toa que o Pizzi é hoje o melhor médio-centro português da actualidade. Não é à toa que ele conseguiu fazer esquecer um jogador como o Jonas durante 6 meses com um miúdo ainda em evolução como o Gonçalo Guedes. Não é à toa que ele conseguiu recuperar jogadores como Salvio e Carrillo para o jogo. Temos muita tendência a elogiar, venerar e até cobiçar o que vem de fora. Contudo, penso que está na hora de olharmos para os tesouros que temos em casa e orgulharmos do que temos. Até porque bem vistas as contas, se calhar a equipa "doutro mundo" está bem mais próximo que nós imaginávamos.


Talvez sejamos nós a tal equipa doutro mundo, sem sabermos que a somos.

10 comentários:

  1. Muito bom. Totalmente de acordo.
    Os princípios no futebol é como a constituição. As pessoas nascem e morrem, mas os princípios ficam.

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    1. O problema é que eles na maioria das vezes são ensinados aos jovens jogadores. Por isso é que podemos ver jogos em que miúdos de 17 anos vencem adultos com mais de 17 anos de experiência no futebol.

      ;)

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  2. para ver se acompanho, sistematizaçao e quando defendes que o sistema (442,433,4231) e o mais importante e teras que treinar de forma a que os jogadores façam as movimentaçoes padrao que queres a toda a hora independentemente de haver ou nao outras opçoes (nao sei se fui claro, mas se disseres para o jogador ir para a linha nao o queres a entrar no meio mesmo que a jogada o peça). principios de jogo tem a haver com a funçao que cada jogador tem no campo nas posiçoes (treinas um extremo para desiquilibrar quer para dentro ou fora e ele o faz mediante a situaçao) assim no segundo estajas como estiveres no campo sabes qual a tua funçao e o resto e depende do que o jogo oferecer. percebi mal? grande texto ;)

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    1. Os princípios estão muito a cima do posicionamento dos jogadores. Foi essa a intenção do artigo da sequenciação do bom futebol. A condução, o fixar, o soltar, o tabelar, etc, são tudo acções que por detrás deles estão os princípios de jogo. Sabê-los, interiorizá-los e mais do que tudo treiná-los para que os jogadores possam pensar o jogo segundo eles, é a forma mais directa para o sucesso. Sobretudo, quando tens uma equipa que joga 3x por semana. Este é também a forma para chegar-se ao futebol total...

      😉

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  3. ok, e como se nota a diferença entre ambos em jogo ou treino?

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    1. Nos jogos, nota-se perfeitamente, quando um jogador não consegue jogar noutra posição, ou apresenta-se em campo como um autómato.

      No treino, quando todo o treino consiste numa sistematização de determinados movimentos, repetidos até à exaustão.

      Não quero com isto dizer que muitas vezes eles não sejam necessários, mas é preciso serem devidamente contextualizados.

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  4. Já o disse noutros comentários: os pontos forte de uma e outra equipa batem com os pontos fracos do adversário e é por isso, e apenas por isso, que o Benfica tem hipóteses de passar esta eliminatória.
    Bom... Isso e ter RV que é bom a armar equipas que não precisem de moralmente assumir a iniciativa de jogo e que tem inteligência para se adaptar.

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    1. E quais são para ti esses pontos fracos?

      Para mim há um ponto fraco do Dortmund que esbate num dos nossos pontos fracos. Por exemplo, eles não têm uma boa saída na 1ª fase de construção, mas nós com a dupla formada por Jonas e Mitroglou também não temos uma dupla atacante muito pressionante para aproveitar essa lacuna do Dortmund.

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    2. Concordo mas não inteiramente. Não passa tanto pela dupla J/M, porque isso implicaria que uma dupla JJ ou JiM resolvesse a coisa. Não resolveria a meu ver, por necessitares de algo mais. Necessitavas de envolvimento dos extremos e/ou do MAC, sacrificando uma linha descida para não seres apanhado nas costas por lançamentos longos para uns tais de Aubameyang, Dembelé ou Pulisic.

      Agora, eles têm uma transição D/A forte e rápida e nós aí nem temos força nem rapidez, basta ver o sofrimento que foram Setúbal e Moreirense. Bolas perdidas/oferecidas a meio campo é completamente hara kiri.

      Por outro lado a transição A/D deles está ao nível da nossa, com os laterais normalmente demasiado subidos o que os expõe sobremaneira a mudanças de flanco e bolas longas. Forçá-los a sair pelos flancos, conseguir recuperar a bola na zona do meio campo e meter no flanco contrário é meio caminho andado para partir aquilo tudo. E nesse sentido a nossa construção pelos corredores é dos pontos mais fortes que temos, daí eu achar que os pontos fortes de uma batem com os fracos de outra.

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    3. «Agora, eles têm uma transição D/A forte e rápida e nós aí nem temos força nem rapidez, basta ver o sofrimento que foram Setúbal e Moreirense. Bolas perdidas/oferecidas a meio campo é completamente hara kiri.» Quando digo nós aí, refiro-me à nossa reacção à perda.

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